Entrevista: Desalmado fala sobre seu quarto disco, “Monopoly of Violence”

“Monopoly of Violence” é o primeiro disco com a nova formação da banda, que além de Caio Augustus (voz) e Bruno Teixeira (baixo), conta agora com João Limeira (bateria) e Marcelo Liam (guitarra)

May 31, 2025 - 11:55
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Entrevista: Desalmado fala sobre seu quarto disco, “Monopoly of Violence”

entrevista de Bruno Lisboa

Com mais de duas décadas combinando hardcore e death metal, a Desalmado segue se entregando ao barulho em seu quarto álbum de estúdio, “Monopoly of Violence” (2025), lançado pela Blood Blast, braço digital da Nuclear Blast, uma das principais editoras de música pesada do mundo.

Monopoly of Violence” é o primeiro disco com a nova formação da banda, que além Caio Augustus (vocal) e Bruno Teixeira (baixo), conta com a chegada de João Limeira (bateria) e Marcelo Liam (guitarra principal), e concilia elementos modernos com as tradições old school do grupo.

Na conversa abaixo, feita por e-mail, Caio fala sobre a temática do novo disco, a importância do engajamento político social, referências sonoras, a nova formação para da Desalmado, a parceria com o selo Blood Bast, motivações, a música em tempos de algoritmos, planos futuros e muito mais. Leia abaixo.

Começando pelo título: “Monopoly of Violence”. De onde veio essa escolha e como ela dialoga com o momento social que vocês observam — e enfrentam — dentro e fora da música?
O nome surgiu do momento em que vivemos. Estamos num período pós-pandemia em que as atividades relacionadas aos grandes monopólios de tecnologia deixaram de ser uma parte do nosso dia a dia para assumir um papel central, e essas empresas estão condicionando as massas ao seu modo. O pensamento ultraliberal, individualista e extremamente narcisista tem tornado a nossa sociedade ainda mais violenta.

Como foi transformar essas observações sobre monopólios tecnológicos e violência em música?
É algo complexo, porque, de alguma forma, ao escrever você precisa simplificar toda uma estrutura crítica de pensamento. Não é fácil transformar uma crítica ampla sobre o que vivemos em trechos que funcionem mais como palavras de ordem. Mas acredito que, em algumas músicas, por serem bem pessoais, é na poesia que essa crítica aparece. Existem canções muito íntimas, reflexos do momento que vivemos, e isso acaba sendo até mais palatável para algumas pessoas se identificarem.

Vocês sempre foram uma banda politizada e consciente. Qual a importância de se manterem atentos e engajados quanto ao que nos oprime?
O Desalmado sempre será uma plataforma de propaganda crítica à sociedade capitalista em que estamos inseridos. Obviamente, a música está em primeiro lugar, mas tentar esclarecer as pessoas e direcioná-las para uma frente de batalha — mesmo que ideológica — é fundamental para o nosso processo histórico como banda.

O disco marca a estreia da nova formação, com João Limeira na bateria e Marcelo Liam na guitarra. Como essa renovação afetou o processo criativo e a sonoridade da banda?
Marcelo e João são caras agilizados e com fome de compor. O processo criativo rolou relativamente rápido — entre composição e gravação, esse trabalho levou cinco meses para ser concluído, o que é extremamente positivo para nós. Outro ponto é que essa nova estrutura nos desafiou, eu e Bruno, a arriscar muito mais. Esse conjunto, aliado a algumas experiências de estrada, deu um ótimo resultado.

A produção do “Monopoly of Violence” é extremamente precisa e moderna, sem perder a sujeira essencial do gênero. Como foi trabalhar no Family Mob e contar com Hugo Silva na mix e master?
O Hugo nos conhece demais — é basicamente um membro do time já. Desde o início, ele entendeu o que queríamos e até contra-argumentou para que não déssemos um salto ainda maior em termos de modernidade. Digo isso no sentido da produção mesmo; ele buscou o equilíbrio naquilo que considero ainda uma transição. Essa foi a etapa intermediária daquilo que o Desalmado ainda tem a entregar. Entramos com uma ideia inicial de produção e, no meio do processo, o Hugo conseguiu entender onde tudo soaria mais natural e preciso. Acho que o resultado foi perfeito — ele atingiu em cheio o objetivo e o desejo do grupo.

O clipe de “Blood Thorns” encerra uma narrativa visual iniciada em “No Peace, Only Death”. O quanto a linguagem audiovisual é importante hoje para uma banda como o Desalmado?
Eu ainda considero algo fundamental, superimportante, mas é fato que atualmente os clipes são mais parte da expressão artística do que propriamente algo que nos traga retorno. Sempre fui fã de clipes — é algo que considero parte do DNA da banda. A filmografia do Desalmado é enorme desde o S.U.F.O. e espero nunca perder esse lado, independentemente dos caminhos da indústria da música.

A banda sempre flertou com o hardcore, e aqui esse elemento aparece ainda mais entrelaçado ao death metal. Como vocês lidam com essa fusão de linguagens musicais extremas?
Foi um objetivo traçado desde o final de 2023. O Marcelo abraçou a ideia por completo e também tinha o entendimento de que era algo que soaria moderno para uma banda que, recentemente, estava fazendo até um som mais post-metal. O João foi a peça-chave desse processo — ele domina a linguagem e tem um repertório vasto, conseguindo transitar tanto no hardcore quanto no death metal com uma facilidade incrível. Sempre senti que o caminho natural do Desalmado seria explorar ainda mais essa fusão. É aquilo que considero mais atual e moderno, conectado com as nossas origens. Bandas como Jesus Piece, END e Aborted, além de toda a escola do Slam Death Metal, foram essenciais para isso.

Em tempos de algoritmos, TikTok e músicas feitas para viralizar, como é lançar um disco com peso, conceito e crítica social? Ainda há espaço para esse tipo de obra?
Acho que ainda existe espaço, sim, mas a realidade é que a dinâmica das redes está impactando diretamente o trabalho das bandas. Se você não tiver um bom dinheiro para investir na sua música, ela vai chegar a um número restrito de pessoas — isso vai acontecer inevitavelmente. O ambiente da internet, apesar de ter essa suposta dimensão democrática, já não obedece mais a essa premissa básica. Hoje em dia, tem visibilidade quem investe dinheiro no próprio perfil — seja como influencer, banda ou qualquer coisa que essas empresas entendam como rentável para os seus anunciantes. O espaço para obras como essa fica restrito ao nosso público. Dificilmente um trabalho assim ganha um alcance que consiga furar algumas bolhas.

O selo Blood Blast, braço da Nuclear Blast, mais uma vez abraça o lançamento de vocês. Como é a relação de vocês com a gravadora?
É uma boa relação. Eles conseguem, de alguma forma, amplificar o nosso trabalho em alguns meios, mas isso tudo tem mais a ver com o nome do que propriamente com um trabalho ativo que façam por lá. No fim das contas, apesar da grife, o Desalmado continua sendo uma banda independente que lança seu material 99% pautado na nossa própria estratégia.

Em 2024, o Desalmado completou 20 anos de estrada. O que mais surpreende vocês nessa trajetória, e o que ainda os move a continuar em frente?
O amor pelo metal extremo. A gente realmente gosta de música. Cagamos para a pose, para quem fica de choro em algum canto ou faz parte de um ninho de cobras que não melhora nem o próprio som. Temos como norte e princípio fundamental da banda evoluir sempre — esse é o nosso caminho. Enquanto fizer sentido para nós fazer som pesado, iremos nos basear em melhorar e produzir trabalhos ainda mais robustos. Se você olhar a carreira do Desalmado, é sobre isso. Dá pra perceber uma evolução trabalho a trabalho, e acho que ainda não chegamos ao nosso limite. Temos mais algumas etapas pela frente.

Por fim, com disco novo na praça quais são os planos futuros?
Tocar bastante pelo Brasil, embarcar numa turnê no exterior — algo que estamos negociando — e correr para compor um novo material já projetando 2027. O álbum (“Monopoly of Violence”) deve sair em breve no formato físico também, tanto em CD quanto em vinil.

–  Bruno Lisboa  escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br