Entrevista: Líder do Clap Your Hands Say Yeah fala sobre os 20 anos do disco de estreia e o que esperar do show no Brasil

Uma banda que surgiu como um fenômeno orgânico com um disco distribuído inicialmente sem gravadora, divulgado à base de blogs e boca a boca, que virou hype entre fãs de sons alternativos

Jun 2, 2025 - 16:25
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Entrevista: Líder do Clap Your Hands Say Yeah fala sobre os 20 anos do disco de estreia e o que esperar do show no Brasil

entrevista de Alexandre Lopes

O ano de 2005 foi uma época especial para o indie rock. Num arroubo criativo que revelou nomes como Arcade Fire, Bloc Party, LCD Soundsystem e The National, o Clap Your Hands Say Yeah surgiu como um fenômeno orgânico: um disco homônimo distribuído inicialmente sem gravadora, divulgado à base de blogs e boca a boca, que virou hype entre fãs de sons alternativos. Vinte anos depois, Alec Ounsworth – único remanescente da formação original – traz esse mesmo álbum de volta aos palcos para uma apresentação única no Brasil, no dia 12 de junho (ingressos aqui), no Cine Joia, em São Paulo.

O show faz parte de uma extensa turnê mundial comemorando o aniversário de 20 anos da estreia do Clap Your Hands and Say Yeah, que se estende até novembro de 2025. Ounsworth promete tocar o disco na íntegra, além de faixas de outras fases da carreira e algumas surpresas. É a terceira passagem do projeto pelo país (depois de apresentações em 2014 e 2015), e uma das mais simbólicas: o reencontro com um álbum que marcou não só uma fase do indie rock, mas também possibilitou a carreira de seu criador por meio de vocais trêmulos, batidas dançantes, letras enigmáticas, melodias tortas e uma produção lo-fi. O grupo era difícil de rotular; meio art rock, meio indie lo-fi, mas com uma obra bem espontânea e cheia de personalidade.

“Não havia expectativas”, conta Alec, ao comentar sobre suas aspirações durante a gravação do disco. “Lembro que na época eu estava trabalhando em um restaurante, e também fazendo algum tipo de trabalho de carpintaria. Trabalhava em música o tempo todo, gravando demos, que acabaram se tornando o álbum. Eu estava tentando encontrar pessoas para tocar comigo. Lembro que eu só queria tentar fazer um álbum, porque é isso que você faz quando trabalha com música. Mas eu não lembro de ter um desejo desesperado por algo além disso, sabe? Eu só pensava: se alguém prestar atenção nisso, tudo bem”. Essa falta de pretensão e liberdade criativa segue sendo a tônica do trabalho do CYHSY; em vez de repetir fórmulas, ele prefere reagir ao tempo presente, ao ambiente e ao seu próprio estado emocional.

Apesar da turnê se concentrar no primeiro disco, Ounsworth faz questão de manter viva a performance destas canções. “Mudo as músicas para meio que não acomodar a mim mesmo, na verdade. Tem que ser algo meio novo pra mim, senão o público não vai receber uma performance genuína”, aponta. “Uma parte disso vem dos meus heróis, como Tom Waits, Lou Reed, Bob Dylan, John Cale – todos faziam isso, para se manter alertas e tornar a performance um pouco mais especial. Mas tem algumas músicas que eu preservo bastante [o arranjo original]”.

Alec também aproveita os shows atuais para incluir um cover de Johnny Thunders (“You Can’t Put Your Arms Around a Memory”), que aparece no meio do set como uma espécie de comentário irônico sobre a nostalgia de se revisitar o primeiro álbum. “Sempre gostei do Johnny Thunders. Gosto da história dele, aquela cena e época de Nova York sempre achei muito legal. Pensei que seria uma boa pausa entre o repertório do primeiro álbum e o material mais recente. Pra mim foi meio que uma piada tocar essa música — talvez uma piada um pouco provocativa, mas no bom sentido. ‘You Can’t Put Your Arms Around a Memory’ vindo logo após a execução do álbum… achei engraçado. E é uma ótima música”.

Se a sinceridade é uma constante no trabalho de Ounsworth, o show em São Paulo promete seguir essa linha. “As pessoas sempre perguntam: ‘Você vai preparar algo especial?’ E eu fico pensando: o que será que os outros fazem de tão especial além do show? [risos] Quando eu era mais jovem, costumava brincar: ‘Vou chegar montado em um elefante’ [risos], não levava muito a sério. Não sei… eu diria que esse é um álbum que se sustenta depois de 20 anos.” Como Alec diz, “tem um motivo pelo qual todo mundo se conectou com ele desde o começo”.

Em um papo descontraído via Zoom com o Scream & Yell, o músico relembra a criação do clássico indie de 2005, fala sobre o cenário atual da música independente e aproveita para elogiar nomes da nova geração como Cameron Winter e Mk.gee. Leia abaixo a conversa completa.

Li que o nome da banda veio de um grafite em uma parede no Brooklyn, certo? Queria saber o quanto esse tipo de inspiração acidental ou até meio nonsense influenciam sua arte e sua vida.
Acho que naquela época, especialmente naquela época, influenciava bastante. Por exemplo, a música “Let the Cool Goddess Rust Away”, que é a segunda faixa do álbum, veio de uma daquelas artes magnéticas – as palavras que você coloca na geladeira e vai montando frases. Eu juntei aquelas palavras, aquela linha “let the cool goddess rust away”. E não é que eu não tivesse algo em mente ao fazer isso, mas sim, muito daquilo era assim. E isso reflete como eu abordo a arte no geral. Ir para o estúdio e não levar nada pronto – eu fazia isso com frequência, ainda faço. Eu meio que reajo ao ambiente. Muito disso tem a ver com o tempo e o lugar. E é por isso que um álbum soa diferente do outro, e do próximo. Gosto de reagir ao meu ambiente atual, sabe? E se formos honestos, se outros músicos e artistas fossem honestos, eles entenderiam que fazer um álbum que soa igual ao anterior, e ao anterior, e ao anterior (o que eu já ouvi bastante), não parece muito genuíno. Porque as coisas mudam. E você avança. Você deve reagir ao que está ao seu redor naquele momento. Relacionamentos mudam. Sua interpretação dos relacionamentos muda. Vamos encarar isso.

Entendi. O que você lembra sobre o processo de criação desse álbum? Que tipo de lembranças você tem dessa época?
Eu me lembro de tudo muito bem. Especialmente de como todas as músicas foram criadas. Eu poderia te dar detalhes bem precisos de cada uma, mas isso levaria muito tempo e seria meio chato também. Lembro que na época eu estava trabalhando em um restaurante, e também fazendo algum tipo de trabalho de carpintaria. Trabalhava em música o tempo todo, gravando demos, que acabaram se tornando o álbum. Eu estava tentando encontrar pessoas para tocar comigo. Lembro que eu só queria tentar fazer um álbum, porque é isso que você faz quando trabalha com música. Mas eu não lembro de ter um desejo desesperado por algo além disso, sabe? Eu só pensava: se alguém prestar atenção nisso, tudo bem. Ou seja, não havia expectativas. E isso é um lugar legal de se estar.

Você disse que não tinha expectativas. Quando viu o álbum finalizado, você não pensou “uau, essas músicas são especiais” e que ainda estaria tocando elas anos depois?
Não, realmente não. Na verdade, acho que eu preferia algumas das minhas demos na época. Eram parecidas, mas havia algo meio empolgante nas demos. Eu não pensava “esse é o melhor álbum”. Acho que o motivo era que eu já tinha ouvido aquilo tantas vezes antes de lançar que estava enjoado. Acho que foi isso. E aí, muitas pessoas pareceram gostar. E acho que é assim que funciona. Você precisa sair e tocar. Só anos depois é que comecei a ver isso como uma oportunidade. Mas o jeito como eu trabalho e ouço álbuns é assim: escuto algo tantas vezes e acabo enjoando, mesmo que seja ótimo… sempre foi assim. Quando eu tinha 13 anos, ouvi “Electric Ladyland” do Jimi Hendrix umas bilhões de vezes. E depois não gostava mais. Pensava: “Por que tô enjoado desse álbum? Eu amava esse álbum!” Era meio ingênuo. Mas descobri que pode acontecer isso com o seu próprio material também.

Então, como é pra você tocar essas músicas depois de tanto tempo? Você se sente como se estivesse atuando numa peça, como no teatro? Ou simplesmente não pensa nisso e só toca as músicas?
Você quer saber se eu penso nisso durante o show? Não, eu mudo as músicas para meio que não me acomodar… acomodar a mim mesmo, na verdade. Tenho muita dificuldade de subir no palco e fazer exatamente o que esperam, algo que eu não gosto. Isso não é bom para os negócios, porque significa que vou mudar algumas coisas, e as pessoas podem não gostar. Mas tem que ser algo meio novo pra mim, senão o público não vai receber uma performance genuína. Então, sim, eu mudo um pouco as coisas para me entreter. E uma parte disso vem dos meus heróis, como Tom Waits, Lou Reed, Bob Dylan, John Cale – todos faziam isso, para se manter alertas e tornar a performance um pouco mais especial. E pra mim, do ponto de vista de público, e talvez de um esnobe musical, às vezes eu só penso: “Não quero ir a um show e ouvir exatamente a mesma coisa”. Tem algumas músicas que eu preservo bastante [o arranjo original]. “Skin of My Yellow Country Teeth” é uma delas, e mais algumas, que mantenho bem próximas da versão do álbum. Mas às vezes eu sinto que precisa ser divertido pra mim, pra que seja divertido pros outros também. E é só nisso que eu penso.

Mas você não faz algo tipo o Bob Dylan, que muda o arranjo todo da música a ponto dos fãs só reconhecerem quando o refrão entra, né?
Não, eu não sou um compositor lendário o bastante pra me safar com isso [risos]. Quer dizer, eu aprecio isso, mas acho que ele deve perder parte do público com essa escolha. Mas, honestamente, ele pode se dar ao luxo de perder metade do público dele e ainda estar bem. Eu não consigo jogar esse jogo [risos].

A banda ganhou reconhecimento numa fase muito boa pro indie rock, aquela explosão de várias bandas no começo dos anos 2000. Depois de viver esse momento, como você avalia a cena musical hoje?
Acho que hoje há alguns lampejos de luz, sabe? Tem coisas bem interessantes que ouvi recentemente. Muitas pessoas estão fazendo música que soa como se estivessem usando estúdios caseiros, mas também profissionais. É meio como eu fiz: combinando os dois. Isso permite que criem coisas que estão na cabeça delas. Tem duas pessoas que tenho escutado muito: Cameron Winter — ele tem tipo 22 ou 23 anos, e fez um ótimo álbum chamado “Heavy Metal”. E tem um cara chamado Mk.gee, que também lançou um ótimo disco. Não sei o que inspirou isso, mas a ideia de combinar estúdios caseiros com profissionais e seguir o que está na sua cabeça, em um espaço meio isolado… Acho que o Mac DeMarco já fazia isso há anos. Tem um movimento interessante no cenário independente, e fico feliz de ver isso. Especialmente Mk.gee e Cameron Winter; parece música inspirada, vinda de uma geração mais jovem. E não estou falando só dos arranjos. Liricamente também, o que muita gente parece esquecer, inclusive no meu trabalho. Se a letra é inspirada, ela sustenta a música. E isso também permite fazer uma performance muito mais genuína ao vivo. Cantar uma letra ruim é… você simplesmente não quer estar lá em cima fazendo isso. Aí você tem que virar um vendedor.

Notei que nos shows vocês têm tocado “You Can’t Put Your Arms Around a Memory”, do Johnny Thunders. Por que essa escolha específica?
Ah, eu sempre gostei do Johnny Thunders. Gosto daquele álbum. Gosto da história dele, mesmo sendo meio pesada. Aquela cena e época de Nova York sempre achei muito legal. Acho que já tinha feito um cover dessa música antes, mas pensei que seria uma boa pausa entre o repertório do primeiro álbum e o material mais recente. E por “recente” quero dizer, tipo, o que veio depois do primeiro disco.E pra mim foi meio que uma piada tocar essa música — talvez uma piada um pouco provocativa, mas no bom sentido. “You Can’t Put Your Arms Around a Memory” vindo logo após a execução do álbum… achei engraçado. E é uma ótima música.

Legal, não tinha percebido isso. É um conceito bacana.
Não sei, achei divertido. Pelo menos pra mim.

Como última pergunta, queria saber se você pensa em preparar algo especial para o show no Brasil.
As pessoas sempre perguntam isso. “Você vai preparar algo especial?” E eu fico pensando: o que será que os outros fazem de tão especial além do show? [risos] Quando eu era mais jovem, costumava brincar: “Vou chegar montado em um elefante” [risos], não levava muito a sério. Não sei… eu diria que esse é um álbum que se sustenta depois de 20 anos. E pra mim, consigo perceber um certo nível de inspiração nele que ecoa em algumas coisas novas que têm feito sucesso hoje. É bem feito, bem executado — sei que isso soa como ‘discurso de vendedor’, mas… Acho que há um nível de energia e de comunidade que essas músicas realmente incentivam. Isso é algo que me dá muito orgulho. Acho que tem um motivo pelo qual todo mundo se conectou com ele desde o começo.

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br