Obra de referência sobre os últimos anos do colonialismo português.
Publicado em novembro de 2024, pela Bertrand, Crepúsculo do Império, Portugal e as guerras de descolonização, coordenado por Pedro Aires Oliveira e João Vieira Borges, este volume de quase oitocentas páginas, que reúne a colaboração de mais de três dezenas de autores, destina-se a familiarizar o público com algumas das investigações mais inovadoras acerca das guerras coloniais de Portugal. Beneficia, naturalmente de avanços historiográficos facilitados pela abertura dos arquivos portugueses. “Instituições como o Arquivo Histórico Militar e o Arquivo da Defesa Nacional têm recebido, nos últimos anos, significativas incorporações, e funcionam segundo normas que, em geral, se alinham com as políticas de acesso arquivístico mais abertas no plano internacional. Como a história das guerras coloniais não se cinge apenas à sua dimensão militar e operacional, outros arquivos têm sido procurados pelos investigadores, com destaque para os acervos depositados nos Arquivos Nacionais Torre do Tombo e nos Arquivos Histórico-Diplomático e Histórico-Ultramarino. A isto teremos também de acrescentar toda uma pletora de arquivos internacionais, que tanto inclui os antigos aliados ocidentais de Portugal como os de vários ex-satélites da URSS que a partir de 1990 adotaram regras mais abertas no tocante aos acervos dos seus serviços diplomáticos e de inteligência (como a República Checa), ou a constelação de países do agora chamado Sul Global que desempenharam papel de relevo na solidariedade e apoio aos movimentos independentistas das colónias portuguesas”. Vejamos, em síntese, a estrutura da obra. A primeira parte intitula-se “Enquadramento”, aqui se procura estabelecer um quando contextual das guerras coloniais portuguesas em termos políticos, estratégicos e militares; a segunda parte denomina-se “Economia e Sociedade”, aqui explora-se a dimensão económica das guerras e os seus impactos sociais; a terceira parte obedece ao mote “Mobilização, Luta e Propaganda”, procura familiarizar os leitores com diversos aspetos da conduta do conflito, numa visão que procura conciliar uma abordagem analítica e algum sentido cronológico; “Dor e Sofrimento” é a quarta parte, aqui se enunciam os aspetos mais dolorosos do conflito, aqueles que resultam das baixas em operações militares, atrocidades, situações de cativeiro. A quinta e última parte é “Fim do Império”, são duas sínteses sobre as vicissitudes deste processo, primeiro na metrópole e em África, e depois nos territórios onde o nível de empenhamento militar português foi comparativamente menor do que em África, mas nem por isso menos gerador de consequências dramáticas, basta recordar Timor. Sendo totalmente inviável alargar comentários a todos os diferentes comentários, vejamos, a título meramente ilustrativo o modo como os investigadores abordaram certos temas: “Insistir na tese da vitória traída pode ser politicamente conveniente ainda hoje, mas é insistir em não querer perceber que uma guerrilha não ter por objetivo uma vitória convencional. Ela aposta na atrição prolongada da vontade de combater de um inimigo à partida muito mais forte. As guerrilhas independentistas sabiam não ser realista, nem tiveram como objetivo marchar sobre Lisboa, Paris ou Londres, pois não precisavam disso para atingir o seu objetivo estratégico: transformar o colonialismo num ativo tóxico na política internacional e demasiado custoso em vidas e despesas para ser viável a prazo na política interna das potências colonizadoras.” “Ponto determinante foi a incapacidade de o poder político transmitir às suas Forças Armadas o que pretendia delas, isto é, o que considerava uma vitória e qual o seu objetivo. Esta incapacidade está plasmada nas cartas de comando entregues pelo Governo aos generais quando os nomeava comandantes-chefes. São todas elas idênticas e do tipo de ordens gerais: manter a ordem no território, colaborar com as autoridades civis e assegurar a relação pacífica entre os habitantes. Com esta latitude de objetivos cada general deduziu a sua missão. E daí cada um ter agido de acordo com a sua análise. A perda da vontade de combater é uma das condições para o fim de uma guerra. Os capitães preferiram derrubar o regime, antes que o regime fizesse dele os bodes expiatórios da sua incapacidade, como acontecera na Índia. Preferiram defender o seu povo antes que o regime levasse o povo à exaustão. O 25 de Abril de 1974 também resulta do sentimento de desconfiança dos militares relativamente ao poder político da ditadura do Estado Novo e dos seus dirigentes.” No ensaio dedicado à estratégia e liderança do Conselho Superior de Defesa Nacional, abordando-se a situação na Guiné no período que vai de novembro de 1969 a maio de 1973, escreve-se: “A situação na Guiné era a mais crítica. Na reunião de maio de 1971, Spínola deixou claro não ser possível vencer militarmente, levantando forte oposição dos ministros da Defesa e do Ultramar, que preconizavam a possível solução política teria de ter

Publicado em novembro de 2024, pela Bertrand, Crepúsculo do Império, Portugal e as guerras de descolonização, coordenado por Pedro Aires Oliveira e João Vieira Borges, este volume de quase oitocentas páginas, que reúne a colaboração de mais de três dezenas de autores, destina-se a familiarizar o público com algumas das investigações mais inovadoras acerca das guerras coloniais de Portugal. Beneficia, naturalmente de avanços historiográficos facilitados pela abertura dos arquivos portugueses. “Instituições como o Arquivo Histórico Militar e o Arquivo da Defesa Nacional têm recebido, nos últimos anos, significativas incorporações, e funcionam segundo normas que, em geral, se alinham com as políticas de acesso arquivístico mais abertas no plano internacional. Como a história das guerras coloniais não se cinge apenas à sua dimensão militar e operacional, outros arquivos têm sido procurados pelos investigadores, com destaque para os acervos depositados nos Arquivos Nacionais Torre do Tombo e nos Arquivos Histórico-Diplomático e Histórico-Ultramarino. A isto teremos também de acrescentar toda uma pletora de arquivos internacionais, que tanto inclui os antigos aliados ocidentais de Portugal como os de vários ex-satélites da URSS que a partir de 1990 adotaram regras mais abertas no tocante aos acervos dos seus serviços diplomáticos e de inteligência (como a República Checa), ou a constelação de países do agora chamado Sul Global que desempenharam papel de relevo na solidariedade e apoio aos movimentos independentistas das colónias portuguesas”.
Vejamos, em síntese, a estrutura da obra. A primeira parte intitula-se “Enquadramento”, aqui se procura estabelecer um quando contextual das guerras coloniais portuguesas em termos políticos, estratégicos e militares; a segunda parte denomina-se “Economia e Sociedade”, aqui explora-se a dimensão económica das guerras e os seus impactos sociais; a terceira parte obedece ao mote “Mobilização, Luta e Propaganda”, procura familiarizar os leitores com diversos aspetos da conduta do conflito, numa visão que procura conciliar uma abordagem analítica e algum sentido cronológico; “Dor e Sofrimento” é a quarta parte, aqui se enunciam os aspetos mais dolorosos do conflito, aqueles que resultam das baixas em operações militares, atrocidades, situações de cativeiro. A quinta e última parte é “Fim do Império”, são duas sínteses sobre as vicissitudes deste processo, primeiro na metrópole e em África, e depois nos territórios onde o nível de empenhamento militar português foi comparativamente menor do que em África, mas nem por isso menos gerador de consequências dramáticas, basta recordar Timor.
Sendo totalmente inviável alargar comentários a todos os diferentes comentários, vejamos, a título meramente ilustrativo o modo como os investigadores abordaram certos temas:
“Insistir na tese da vitória traída pode ser politicamente conveniente ainda hoje, mas é insistir em não querer perceber que uma guerrilha não ter por objetivo uma vitória convencional. Ela aposta na atrição prolongada da vontade de combater de um inimigo à partida muito mais forte. As guerrilhas independentistas sabiam não ser realista, nem tiveram como objetivo marchar sobre Lisboa, Paris ou Londres, pois não precisavam disso para atingir o seu objetivo estratégico: transformar o colonialismo num ativo tóxico na política internacional e demasiado custoso em vidas e despesas para ser viável a prazo na política interna das potências colonizadoras.”
“Ponto determinante foi a incapacidade de o poder político transmitir às suas Forças Armadas o que pretendia delas, isto é, o que considerava uma vitória e qual o seu objetivo. Esta incapacidade está plasmada nas cartas de comando entregues pelo Governo aos generais quando os nomeava comandantes-chefes. São todas elas idênticas e do tipo de ordens gerais: manter a ordem no território, colaborar com as autoridades civis e assegurar a relação pacífica entre os habitantes. Com esta latitude de objetivos cada general deduziu a sua missão. E daí cada um ter agido de acordo com a sua análise.
A perda da vontade de combater é uma das condições para o fim de uma guerra. Os capitães preferiram derrubar o regime, antes que o regime fizesse dele os bodes expiatórios da sua incapacidade, como acontecera na Índia. Preferiram defender o seu povo antes que o regime levasse o povo à exaustão.
O 25 de Abril de 1974 também resulta do sentimento de desconfiança dos militares relativamente ao poder político da ditadura do Estado Novo e dos seus dirigentes.”
No ensaio dedicado à estratégia e liderança do Conselho Superior de Defesa Nacional, abordando-se a situação na Guiné no período que vai de novembro de 1969 a maio de 1973, escreve-se:
“A situação na Guiné era a mais crítica. Na reunião de maio de 1971, Spínola deixou claro não ser possível vencer militarmente, levantando forte oposição dos ministros da Defesa e do Ultramar, que preconizavam a possível solução política teria de ter uma vitória no campo militar. Para Spínola, a solução ultrapassava largamente a possibilidade de uma vitória militar, e apenas no quadro de uma plataforma diplomática e política era possível encontrar uma solução de fundo para a Guiné. Qualquer solução que fosse orientada para a vitória militar tinha apenas como consequência e exaustão de recursos humanos, materiais e financeiros. Sem demonstrar aberta concordância com Spínola, Caetano considerava que o esforço financeiro suportado era muito elevado e não tinha a certeza de que a economia do país pudesse continuar a suportá-lo por muito mais tempo.”
Abordando a condição em que ficaram os combatentes africanos que tinham sido leais a Portugal, vejamos o que se escreve sobre a Guiné:
“O elevado número de guineenses ao serviço de Portugal, a sua reconhecida destreza militar, e a própria notoriedade alcançada por muitos deles num território com aquelas dimensões, tornava o PAIGC particularmente receoso quanto à desmobilização daqueles elementos. O seu desarmamento começou a ser feito a partir de 19 de agosto, imediatamente após o acordo de independência, sob a supervisão do brigadeiro Carlos Fabião. Esse processo deveria ter lugar contra o pagamento de seis meses de salário e uma guia de marcha que habilitaria os antigos combatentes a apresentarem-se ao serviço nas Forças Armadas do Novo Estado, a partir de janeiro de 1975. A possibilidade de os militares guineenses das Forças Armadas portuguesas, na qualidade de cidadãos da República da Guiné-Bissau, serem elegíveis para o pagamento de pensões de sangue, invalidez e reforma por parte do Estado português estava previsto no Acordo de Argel, mas nos anos seguintes nenhum programa completo para concretizar essa promessa seria implementado. A queda em desgraça do setor spinolista da Revolução, na sequência dos acontecimentos do 11 de março de 1975 em Lisboa, trouxe graves consequências para estes elementos, particularmente para os que se tinham distinguido em unidades de operações especiais. Os serviços de segurança do novo Estado, organizados por elementos formados na URSS, RDA e Checoslováquia, terão sido instrumentais na identificação e eliminação de vários ex-comandos. Dados revelados em 1980, mencionam 53 fuzilamentos ocorridos em 1965, mas as matanças conheceriam um novo pico em 1978, a propósito de rumores que apontavam para o envolvimento de antigos elementos do Exército colonial num alegado golpe de Estado liderado por Malam Sanhá, um ex-comando.”
Livro essencial, portanto.
Mário
Beja Santos