Popload Festival 2025 consagra St. Vincent, celebra Kim Gordon e ovaciona Laufey em edição esquizofrênica
Um dos festivais mais amados pelo público que ouve música “indie” e “alternativa” no país, o Popload Festival voltou ao calendário após dois anos de ausência em um belíssimo sábado de sol

texto de Marcelo Costa
fotos de Fernando Yokota
vídeos de Bruno Capelas
Um dos festivais mais amados pelo público que ouve música “indie” e “alternativa” no país, o Popload Festival voltou ao calendário nacional após dois anos de ausência em um surpreendentemente belíssimo sábado de sol outonal no Parque do Ibirapuera, em São Paulo (no mesmo local que abrigou o palco principal do C6 Fest uma semana antes), com um line-up que, segundo o senhor poploader Lúcio Ribeiro, em entrevista prévia ao Scream & Yell, tinha artistas “que não tem muito a cara Popload, mas que no pôster faz total sentido”.
Na prática, durante 11 horas de evento (os portões foram abertos às 11h da manhã e Norah Jones encerrou a maratona próximo das 22h), o Popload Festival 2025 celebrou a esquizofrenia musical, atirando em um lugar e acertando em outros (outra frase de Lúcio na entrevista ao site), pois o que se viu na Arena Ibirapuera foi uma confluência de públicos bem distintos dispostos a assistir ao show de seu artista amado e, de quebra, ser exposto a uma ou outra atração que, muito provavelmente, alguns nem conheciam (ou conheceram rapidamente em playlist, só para ter uma ideia).
Olhando o poster, porém, era possível antecipar o quão amplo seria o espectro sonoro do festival, mas ainda assim foi surpreendente acompanhar um dia que foi aberto com a psicodelia sulista da Exclusive os Cabides (que pouca gente viu abrir o evento antes do almoço do sabadão), e que ainda teve a MPB rap de Tássia Reis, o power pop sessentista da Lemon Twigs, o indie soturno do Terno Rei (ensolarado com o lado mais pop do Skank através de Samuel Rosa), o art rock de Kim Gordon e (mais pop de) St. Vincent, o universo de trilhas da Disney e de new bossa nova de Laufey e o cool jazz de Norah Jones. Vários festivais dentro de um único festival.
Isso tudo sem contar as atrações do pequeno e extremamente funcional Palco Heineken, um grande acerto que já tinha sido uma boa surpresa na edição de 2022, e em 2025 ofereceu alguns dos melhores momentos do festival, muito pela seleção excelente de artistas: Supervão, Jadsa, Moor Mother, Vera Fischer Era Clubber, Maria Beraldo e Yago Oproprio – quem abriu os trabalhos no local ao meio dia (!?!?) foi Stefanie, promessa do ABC Paulista, mas tanto o show dela quanto o da Exclusive os Cabides e o de Tássia Reis não foram presenciados pela cobertura do Scream & Yell, que pisou no local quando a rapper se despedia do palco (quem estava lá, elogiou o show de Tássia).
O quarteto Supervão, responsável por um dos grandes discos do ano passado (presente na lista de melhores de Lúcio Ribeiro aqui no Scream & Yell), voltou à capital paulista três meses após se apresentar no Circuito Nova Música, e mesmo com pequenos problemas de som em seu set (como no feat com Papisa, “Querendo um Tempo”), entregou um show de responsa que, se não teve à altura das apresentações em fevereiro, serviu como uma boa introdução aos presentes que não conheciam pérolas como “Nostalgia”, “Love e Vício em Sunshine” e “Tudo Certo Para Dar Errado”. Fique de olho neles!
Primeira atração internacional do dia, os novaiorquinos do Lemon Twigs chegaram ao Ibira com a reputação em alta após um show solo elogiado no dia anterior, no Cine Joia, e se faltou “I’ll Feel a Whole Lot Better”, cover emocional do Byrds que encerrou a apresentação no velho cinema da Liberdade (foram 22 músicas lá contra 12 no set list do festival), sobrou reminiscências de canções do Teenage Fanclub e da primeira fase dos Beatles em números como “I’ve Got a Broken Heart”, “If You and I Are Not Wise” ou “I Wanna Prove to You”, que deixaram muitos corações power pop sorrindo a toa. Uma delicinha de show sob o sol.
No “palquinho” da Heineken, outra artista que Lucio Ribeiro também escalou para o Circuito Nova Música: Jadsa. Se lá ela havia brilhado com uma apresentação áspera calcada em voz e guitarra, para o Popload Festival, a soteropolitana trouxe consigo Antonio Neves no trombone e Felipe Castro na percussão, dupla que deu um colorido todo especial a canções como “Big Bang”, “Big Luv” e “Um Choro”, três de seu recém-lançado segundo disco, “Big Buraco” (2025) – a terceira também gravada por Juçara Marçal – além da sempre certeira “Sem Edição”, em mais uma apresentação irrepreensível da artista.
Se até então, o público presente não era muito grande, bastou o Terno Rei surgir em cena por volta das 15h para que a situação mudasse de figura. Ponta de lança do novo rock brasileiro, com música em rádios e destaque em line-ups de festivais país afora – como no Circuito Casarão, na região amazônica, em que encabeça a edição de Manaus do evento –, o Terno Rei combinou canções do recém-lançado “Nenhuma Estrela” (como “Próxima Parada” e “Nada Igual”) com hits como “Yoko” e “Solidão de Volta”, e ainda recebeu Samuel Rosa, que trouxe consigo “apenas” “Resposta” e “Balada do Amor Inabalável”, cantadas em uníssono pela plateia – o ex-Skank ainda participou do encerramento da apresentação, com “Dia Lindo”.
Rumores davam conta que a poetisa e musicista norte-americana Moor Mother iria receber Juçara Marçal em seu set no palquinho da Heineken, mas o encontro só foi acontecer na abertura do show solo de Kim Gordon no Cine Joia, no dia seguinte (com a presença também de Kiko Dinucci). No Popload Festival, Camae Ayewa fez um DJ Set politizado aberto com “Killing in the Name”, do Rage Against the Machine, e seguido por canções do Mars Volta (“Inertiatic ESP”), Wu‐Tang Clan (“Triumph”), System of a Down (“Science”), Tool (“Stinkfist”) e Nirvana (“You Know You’re Right”), temperando com muito barulho a salada musical proposta pelo festival.
Com os ouvidos zunindo, não havia melhor maneira de prestar reverência a Kim Althea Gordon, a garota daquela banda que, do alto de seus 72 anos, baixou em São Paulo acompanhada de três jovens afiadas (Camilla Charlesworth, Sarah Register e Madi Vogt) para proporcionar um set mezzo eletrônico (que nos momentos mais lentos dispersava a plateia), mezzo distorcido (para delírio de seus fãs mais antigos) com base em “The Collective”, o bom álbum que ela lançou em 2024. Foram sete canções na mesma ordem do disco seguidas da inédita “Cigarette”. Depois, Kim rolou pelo palco e pescou mais duas do álbum do ano passado para fechar o set com três canções de seu debute solo, “No Home Record”, de 2019, num bom show.
Quem também tocou seu álbum praticamente na integra na ordem das canções foi a sensação Vera Fischer Era Clubber, combo eletropunk carioquíssimo, graças ao sotaque carregado da vocalista Crystal (e certas alfinetadas de Miami bass), que arrancou urros da plateia em números impagáveis como “Ina” (e sua amiga Coca), “Lololove U” e “Fantasmas”, primeiro single de “Veras I”, disco lançado em abril. Transformando em inferninho, o palquinho da Heineken fez muita gente sacolejar (e rir) ao som do quarteto carioca. Uma pena que eles não tenham tido tempo de tocar “Eu Sem Depressão”, baita canção que fecha o álbum de estreia da banda.
A passagem de bastão de show não poderia ter sido mais surreal: sai de cena o sarcasmo de Vera Fischer Era Clubber (que o amigo Cleber Facchi definiu espertamente como uma bizarra mistura de Suicide e Information Society) para surgir a inocência de Laufey cantando números que poderiam estar em musicais da Disney dos anos 1940 e bossa nova de gringo do final dos anos 1950 (até um bolero apareceu no set). O que mais impressiona, porém, é que a artista sino-islandesa – que tem dois discos na carreira: “Everything I Know About Love”, de 2022, e “Bewitched”, de 2023 – o terceiro, “A Matter of Time”, chega em agosto, mas teve uma música antecipada no set, “Lover Girl” – cativa um público majoritariamente teen que estava colado na grade há horas carregando cartazes com declarações de amor e prontos para berrar “I love you” ao primeiro sinal de silêncio. Um show surpreendente muito mais pela reação fanática do público do que pelas canções tolinhas de corações partidos típicas da era de ouro de Hollywood.
Quando, enfim, a noite chegou, trouxe consigo o frio e, também, Maria Beraldo –acompanhada de Chicão e Antônio Loureiro – com um show quente e prestigiada por um “fã clube” de luxo: na plateia, Siba, Kiko Dinucci, Jadsa, Juliana Linhares e Luiza Lian acompanhavam a apresentação. A faixa título de seu segundo disco solo, “Colinho” (2025), abriu o set, em versão forte. Ainda assim, nenhuma das canções “novas” (presentes no álbum) exibidas, como os singles “Truco” e “Matagal” (2023 e 2024, respectivamente) arranhou a força e beleza de números como “Da Menor Importância” e “Amor Verdade”, joias do debute “Cavala” (2018). Há uma leve sensação de que o desenho do show pensado por Felipe Hirsch para “Colinho” – que começa a evoluir – amarre Maria Beraldo em cena, algo que as canções de “Cavala” conseguem driblar de alguma maneira. O resultado final é uma boa apresentação que, no entanto, ainda está se encontrando.
Até então, o Popload havia enfileirado vários bons shows de estilos diversos, mas nenhuma apresentação irrepreensível, inesquecível. Bastou St. Vincent entrar em cena para que grande parte do público encontrasse o que realmente estava procurando o dia todo, uma artista voraz, doce e psicótica, entregando-se à música e ao palco como essa fosse sua última chance ao vivo. “Broken Man”, do álbum “All Born Screaming” (2024), abriu o set como um choque elétrico na audiência seguida de duas faixas poderosas do grandioso “MASSEDUCTION” (2017), “Fear The Future” e “Los Ageless”. Aos 42 anos, Annie Clark soa imparável em cena: ela canta, toca guitarra, corre e sorri fazendo caras e bocas enquanto seduz a plateia e sua própria banda, todos personagens de um jogo sensual que ela domina como poucos.
Mesmo em um set mais curto de festival (com 12 canções contra 16 em versões mais extensas nos shows aolo), St. Vincent busca mostrar cada faceta de sua caprichada discografia: “Marrow” (de “Actor”, de 2009) surge arrastada pelo baixo marcante de Charlotte Kemp Muhl enquanto “Cheerleader”, hit de “Strange Mercy” (2011), começa suave para explodir como uma bomba segundos depois conduzida por Mark Giuliana, ótimo baterista que acompanhou David Bowie no derradeiro “Blackstar”, de 2016; “Birth in Reverse” (“St. Vincent”, de 2014) aparece envenenada por riffs de Jason Falkner e “Pay Your Way In Pain” (“Daddy’s Home”, 2021) é o momento funk do show. Os pontos altos são reservados para as canções de “MASSEDUCTION” e “All Born Screaming”, quatro números de cada álbum, com o troféu ficando para a balada “New York”, não só por trazer St. Vincent para os braços do público (em certo momento, de pé sobre os ombros de um fã, ela comenta: “Você é muito forte!”), mas por todo misancene, como na hora em que ela volta ao palco e se fica de quatro rebolando enquanto seu roadie, desajeitado e aos risos, tenta ajeitar seu headset. “All Born Screaming”, a canção, encerra um set matador.
O Popload Festival 2025 poderia ter acabado neste momento, no auge, e para muitos realmente acabou, pois o que veio na sequência soou menos impactante (como o boombap de Yago Oproprio, totalmente desconectado do evento) ou, ainda, lounge pós balada, como o set de cool jazz de Norah Jones. Se em uma de suas últimas apresentações no país, Norah apareceu de guitarra em punho cantando covers de Johnny Cash (vídeo mais visto no canal do Scream & Yell no Youtube), dessa vez ela se sentou ao piano, convidou Brian Blade (que havia se apresentado no C6 Fest na semana anterior) para assumir a bateria e baseou seu set em “Visions”, nono álbum lançado em 2024. Foi um show calmo, bonito e quase despretensioso. Os fãs teens de Laufey que ainda estavam acordados foram presenteados com um dueto em “Come Away With Me”, e “Don’t Know Why”, cover de Jesse Harris, encerrou com brilho a edição 2025 do festival.
No computo geral, essa foi a edição mais inusitada do Popload Festival, o que abre perspectivas interessantes para edições futuras. Os problemas com filas para bebida e comida da edição anterior se repetiram custando, muitas vezes, um show ao espectador, e a inexplicável enorme área para convidados do lado esquerdo do palco, quase todo o tempo vazia, soou um grande desperdício, ainda mais na Arena Ibirapuera, em que o público naturalmente já fica distante do palco (montado dentro do auditório). Por outro lado, o pequeno e funcional Palco Heineken é uma ideia que merece ser replicada por outros festivais: com boa curadoria, como a do Popload, pode surpreender. Vale ressaltar, ainda, a excelente presença do público, que prestigiou um dos festivais mais queridos do país, feito por gente que ama a música, e não um monte de marqueteiros focados unicamente em lucro.
Em um ano de ressaca de turnês e festivais, em que São Paulo muito provavelmente terá apenas o Balaclava Fest (de line-up caprichado) no segundo semestre como exemplo de evento para celebrar a boa música e o rock (volta Primavera Sound, volta!), o retorno do Popload ao calendário deve ser ainda mais celebrado. 2026 pinta ser um ano ainda mais cruel, e a gente torce para que o Popload esteja lá conosco, promovendo bons shows, trazendo uma galera inusitada e, quem sabe, colocando alguma apresentação no topo da lista de melhores do ano (quiça da vida – deixa a gente sonhar, vai). Nick Cave, PJ Harvey e Jack White já fizeram isso por nós em outros anos – e agora St. Vincent em 2025. Quem será o grande nome da próxima edição? Palpites?
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br