O trabalho invisível no design: o que ninguém vê, mas sustenta tudo

O que não vira case, mas faz ele acontecer.O palco só existe porque alguém preparou tudo antes.Quantos designers você conhece que criaram um design system do zero?Não vale só montar uma tela com botão e escrever “atomic” no título da aba. Estou falando de criar mesmo: pensar governança, fluxo de atualização, critérios de adoção, estrutura de tokens, documentação com versão controlada, processo de integração com o time de engenharia, método de coleta de feedback, estratégia de rollout por produto.Pensar design system como produto vivo, que evolui com o tempo e sustenta a escala de design na empresa, são poucos.Poucos porque essa oportunidade não surge toda hora. Porque nem toda empresa tem maturidade ou estrutura para isso. E porque, sejamos sinceros, a maioria das pessoas que trabalha com design nunca vai atuar diretamente na fundação de algo desse tipo. O campo entorno é muito vasto. Passamos mais tempo consumindo seus elementos do que realmente gerando. E tá tudo bem.A real é que a maior parte da nossa prática acontece longe dos holofotes.­O que ninguém vê, mas todo mundo usaO dia a dia do design de produtos digitais está cheio de decisões e criações invisíveis para o usuário final — muitas vezes também para os próprios times. Talvez o colega que senta na baia ao lado nem sabe o que o seu time faz.Você provavelmente já desenhou ou revisou fluxos de autenticação, regras de segurança, tratativas de erro, notificações automáticas por SMS, push, e-mail, discutiu copy de mensagem de alerta, desenhou fluxo e telas da exceção da exceção porque alguém de tecnologia disse “mas e se o sistema cair entre a etapa 2 e a 3?”.Talvez você tenha passado horas documentando componentes no Figma, escrevendo boas práticas de uso, padronizando tokens de cor para evitar gambiarras, explicando para o time como e quando usar a variação “sem ícone” de um botão.Fez pesquisa. Testou fluxo. Criou protótipo só pra validar um comportamento de erro em situações raríssimas. Ouviu usuários falarem o óbvio e anotou tudo, porque você sabe que convencer a empresa exige repetição.A gente faz tudo isso. E faz sabendo que ninguém vai bater palma por isso.Só que, ironicamente, são esses detalhes silenciosos que sustentam o produto no longo prazo.É o design invisível que evita que o sistema quebre.Que melhora a experiência de quem nem sabe o que melhorou. Que permite que as “grandes entregas” aconteçam com menos risco e cheguem em quem precise. Que nem aquela feature de envio SMS notificando uma operação financeira, que ninguém queria fazer.­A engrenagem silenciosa que move tudoUm grupo de profissionais está mais envolvido em uma campanha de lançamento, um novo fluxo de pagamento que vai trazer milhões, ou uma funcionalidade que será mostrada no comercial do intervalo do Jornal.Já outro grupo está garantindo que, se o botão de pagar falhar, o usuário receba um aviso claro e não tenha seu cartão cobrado duas vezes. Que o botão funcione no app de quem ainda não atualizou. Que a informação na notificação seja coerente com o que aparece no app. Que a ação respeite políticas de segurança.Tudo isso é design.Não vira post. Não vira case. Mas vira experiência. E das boas.­O passado ensina: o invisível sempre esteve láQuem passou por agências de design gráfico ou viveu os tempos da mídia impressa sabe exatamente do que estou falando.Você começa diagramando folheto. Catalogando referência. Alinhando texto em apostila de treinamento. Ajustando milímetros em rótulo porque o fornecedor da gráfica mudou o padrão de corte. A gente fazia isso enquanto outro time criava o anúncio premiado da vez.Mas sem esse trabalho de base, o material não ia pra rua.Esse tipo de entrega sustenta toda uma estrutura. E mais: ela treina nosso olhar, nossa paciência, nosso compromisso com a execução.Hoje, no digital, o cenário mudou, mas a lógica continua.Mais cargos, mais discurso, menos clareza.­Pós-pandemia: mais cargos, menos clarezaDepois da pandemia, o mercado passou por um boom de contratações e formações. Vieram os bootcamps, os cursos relâmpago, os “UX em 10 semanas”. Vieram também os perfis de LinkedIn que prometem “entrar no design ganhando 10K” e os posts com fórmulas de sucesso como se fossem receita de bolo.O resultado? Temos muitos profissionais em diferentes estágios de entendimento do que é, de fato, trabalhar com design de produto.Alguns entraram direto em ambientes ágeis sem nem entender o que é discovery. Outros querem ser sêniores em dois anos porque viram alguém que conseguiu. Há também os que nunca testaram uma hipótese, mas querem assinar o Design System.E tudo isso vem com ansiedade: de ser visto, de fazer muito, de ter visibilidade, de ter “o projeto da carreira”.O problema é que, com tanta gente nesse turbilhão, os próprios gestores se viram perdidos. Muitos não sabem mais como guiar, como reconhecer trabalho que não aparece, como ajudar a evoluir.E aí surge o descompasso:Profissionais buscando destaque. Gestores buscando entrega. E o que é essencial, o t

Jun 3, 2025 - 11:05
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O trabalho invisível no design: o que ninguém vê, mas sustenta tudo

O que não vira case, mas faz ele acontecer.

Colagem visual com mãos, computador, confusão e colaboração, representando o trabalho invisível no design de produtos digitais.
O palco só existe porque alguém preparou tudo antes.

Quantos designers você conhece que criaram um design system do zero?

Não vale só montar uma tela com botão e escrever “atomic” no título da aba. Estou falando de criar mesmo: pensar governança, fluxo de atualização, critérios de adoção, estrutura de tokens, documentação com versão controlada, processo de integração com o time de engenharia, método de coleta de feedback, estratégia de rollout por produto.

Pensar design system como produto vivo, que evolui com o tempo e sustenta a escala de design na empresa, são poucos.

Poucos porque essa oportunidade não surge toda hora. Porque nem toda empresa tem maturidade ou estrutura para isso. E porque, sejamos sinceros, a maioria das pessoas que trabalha com design nunca vai atuar diretamente na fundação de algo desse tipo. O campo entorno é muito vasto. Passamos mais tempo consumindo seus elementos do que realmente gerando. E tá tudo bem.

A real é que a maior parte da nossa prática acontece longe dos holofotes.

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O que ninguém vê, mas todo mundo usa

O dia a dia do design de produtos digitais está cheio de decisões e criações invisíveis para o usuário final — muitas vezes também para os próprios times. Talvez o colega que senta na baia ao lado nem sabe o que o seu time faz.

Você provavelmente já desenhou ou revisou fluxos de autenticação, regras de segurança, tratativas de erro, notificações automáticas por SMS, push, e-mail, discutiu copy de mensagem de alerta, desenhou fluxo e telas da exceção da exceção porque alguém de tecnologia disse “mas e se o sistema cair entre a etapa 2 e a 3?”.

Talvez você tenha passado horas documentando componentes no Figma, escrevendo boas práticas de uso, padronizando tokens de cor para evitar gambiarras, explicando para o time como e quando usar a variação “sem ícone” de um botão.

Fez pesquisa. Testou fluxo. Criou protótipo só pra validar um comportamento de erro em situações raríssimas. Ouviu usuários falarem o óbvio e anotou tudo, porque você sabe que convencer a empresa exige repetição.

A gente faz tudo isso. E faz sabendo que ninguém vai bater palma por isso.

Só que, ironicamente, são esses detalhes silenciosos que sustentam o produto no longo prazo.

É o design invisível que evita que o sistema quebre.

Que melhora a experiência de quem nem sabe o que melhorou. Que permite que as “grandes entregas” aconteçam com menos risco e cheguem em quem precise. Que nem aquela feature de envio SMS notificando uma operação financeira, que ninguém queria fazer.

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A engrenagem silenciosa que move tudo

Um grupo de profissionais está mais envolvido em uma campanha de lançamento, um novo fluxo de pagamento que vai trazer milhões, ou uma funcionalidade que será mostrada no comercial do intervalo do Jornal.

Já outro grupo está garantindo que, se o botão de pagar falhar, o usuário receba um aviso claro e não tenha seu cartão cobrado duas vezes. Que o botão funcione no app de quem ainda não atualizou. Que a informação na notificação seja coerente com o que aparece no app. Que a ação respeite políticas de segurança.

Tudo isso é design.

Não vira post. Não vira case. Mas vira experiência. E das boas.

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O passado ensina: o invisível sempre esteve lá

Quem passou por agências de design gráfico ou viveu os tempos da mídia impressa sabe exatamente do que estou falando.

Você começa diagramando folheto. Catalogando referência. Alinhando texto em apostila de treinamento. Ajustando milímetros em rótulo porque o fornecedor da gráfica mudou o padrão de corte. A gente fazia isso enquanto outro time criava o anúncio premiado da vez.

Mas sem esse trabalho de base, o material não ia pra rua.

Esse tipo de entrega sustenta toda uma estrutura. E mais: ela treina nosso olhar, nossa paciência, nosso compromisso com a execução.

Hoje, no digital, o cenário mudou, mas a lógica continua.

Homem de terno sobre esfera lunar, cercado por círculos e a palavra “BLAH”, simbolizando ruído e confusão no mercado de design pós-pandemia.
Mais cargos, mais discurso, menos clareza.

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Pós-pandemia: mais cargos, menos clareza

Depois da pandemia, o mercado passou por um boom de contratações e formações. Vieram os bootcamps, os cursos relâmpago, os “UX em 10 semanas”. Vieram também os perfis de LinkedIn que prometem “entrar no design ganhando 10K” e os posts com fórmulas de sucesso como se fossem receita de bolo.

O resultado? Temos muitos profissionais em diferentes estágios de entendimento do que é, de fato, trabalhar com design de produto.

Alguns entraram direto em ambientes ágeis sem nem entender o que é discovery. Outros querem ser sêniores em dois anos porque viram alguém que conseguiu. Há também os que nunca testaram uma hipótese, mas querem assinar o Design System.

E tudo isso vem com ansiedade: de ser visto, de fazer muito, de ter visibilidade, de ter “o projeto da carreira”.

O problema é que, com tanta gente nesse turbilhão, os próprios gestores se viram perdidos. Muitos não sabem mais como guiar, como reconhecer trabalho que não aparece, como ajudar a evoluir.

E aí surge o descompasso:

Profissionais buscando destaque. Gestores buscando entrega. E o que é essencial, o trabalho silencioso e contínuo que sustenta tudo, acaba esquecido.

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O fetiche pelo “projeto incrível”

“Ah, mas eu quero fazer algo grande…”

Todo mundo quer. Mas cuidado com o que você define como “grande”.

Já vi muita gente se apaixonar por um projeto só porque ele seria publicado em campanha, apareceria no app, teria visibilidade. Mas por baixo da camada de brilho, o projeto era raso, cheio de buracos, sem sustentação técnica ou estratégica.

Já vi também o oposto: gente evitando tocar projeto “burocrático”, como melhorias de backoffice, ajustes em tela de configuração, acessibilidade de componentes. E justamente nesses projetos que a pessoa teria espaço para crescer tecnicamente, testar, experimentar, se articular com engenharia mas preferiu passar.

Essa obsessão por destaque rápido não constrói carreira. Constrói ansiedade.

E aí a gente entende que maturidade não tem a ver com tempo de casa ou com cargo no LinkedIn. Tem a ver com leitura de contexto. Com saber onde você está e o que dá para aprender ali.

Tem a ver com entender que nem todo trabalho precisa ser visível para ser importante.

Você começa a perceber valor em ajudar o time. Em ser referência em algum ponto. Em organizar um repositório de conhecimento. Em orientar alguém mais júnior. Em levar para o time um insight simples que muda a forma como todo mundo pensa o fluxo.

Não tem aplauso pra isso. Mas tem valor.

Tem impacto.

Tem legado.

E com o tempo, você aprende a se motivar sozinho.

A encontrar sentido mesmo nos projetos mais “sem graça”. A achar desafios onde outros só veem rotina. A entender que aquele fluxo de erro que você melhorou pode ter poupado centenas de ligações no SAC. Que aquele componente que você padronizou tirou três dias de retrabalho da Squad.

Esse olhar só vem com maturidade emocional.

E é ele que te impede de afundar quando ninguém reconhece seu esforço

Pessoa cobrindo o rosto, cercada por gritos e olhares, simbolizando pressão e ambiente tóxico no trabalho de design.
Pressão por todos os lados. E nem era sprint final.

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Mas e quando o ambiente não ajuda?

Nem sempre o problema está em você.

Às vezes, o ambiente em que você está não valoriza esse tipo de trabalho. Ou pior: ele sufoca.

Ambientes tóxicos estão mais comuns do que gostaríamos de admitir. Com a volta ao presencial, os modelos híbridos mal implementados, a pressão por resultados sem planejamento, muita gente está adoecendo.

Você começa a duvidar do que faz. A achar que está atrasado. Que seu trabalho não tem valor. Que você é substituível.

E às vezes nem é o seu time direto. É o contexto, a cultura, o discurso de resultado acima de tudo.

Fique atento.

A toxicidade nem sempre grita. Muitas vezes ela se disfarça de exigência, de agilidade, de “perfil de alta performance”.

Aprenda a perceber. E a se proteger.

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Design também é ponte

A gente fala muito de pixels, mas esquece que boa parte do nosso trabalho está nas conversas.

Na pesquisa que você conduz para entender o que está por trás daquilo que o PO quer.

Na facilitação de uma dinâmica para alinhar expectativas entre negócios e tecnologia.

Na tradução de uma métrica de sucesso em critério de usabilidade.

Na criação de fluxos que respeitam limites legais, técnicos e emocionais.

O design é a ponte. Entre áreas, entre ideias, entre pessoas.

E pontes nem sempre são lembradas. Mas sem elas, ninguém atravessa.

A imagem retrata fases da jornada profissional no design: correria inicial, equilíbrio conquistado e sensação de superação.
Correr, respirar, voar. A jornada de todo designer, em loop.

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Vai chegar um projeto que vai te marcar

Talvez demore. Talvez ele nem pareça grande aos olhos dos outros. Talvez ele seja um daqueles em que você nem aparece como autor.

Mas ele vai te marcar. Porque você vai lembrar tudo o que passou até ali. Vai lembrar quem te ajudou. Vai lembrar o que aprendeu. Vai lembrar que o resultado não era só o produto. Era você naquele processo.

E se esse projeto nunca chegar?

Se nenhum projeto te der visibilidade, reconhecimento ou destaque?

Você ainda vai ter deixado um rastro. Um legado.

Vai ter melhorado a vida de muita gente. Mesmo sem saber. Vai ter feito diferença para alguém no time. Vai ter inspirado colegas. Vai ter segurado a barra em momentos que ninguém viu.

E isso já é muito.

Às vezes, isso basta. Nos vemos por ai ;)

Aprofunde no tema

Design is a Job — Mike Monteiro

  • Sobre: Maturidade profissional, responsabilidade e ética no design.
  • Por que ler: Ajuda a entender o design como ofício sério, destacando a importância do trabalho que não aparece e como ele sustenta o todo.

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The Shape of Design — Frank Chimero (obrigatório ein)

  • Sobre: Propósito, invisibilidade e a dimensão humana do design.
  • Por que ler: Amplia a visão sobre o impacto silencioso do design e reconecta o profissional com o significado do que faz.

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Trabalhe 4 horas por semana — Tim Ferriss

  • Sobre: Redefinição de sucesso, produtividade e autonomia.
  • Por que ler: Provoca reflexões sobre como buscamos validação externa e como isso impacta nossa saúde emocional no trabalho.

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Emotional Design — Don Norman (é designer e não leu esse, algo está errado)

  • Sobre: A influência das emoções na experiência e na prática do design.
  • Por que ler: Explora como o afeto, a estética e a frustração moldam tanto usuários quanto designers.

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A Arte de fazer acontecer — David Allen

  • Sobre: Organização pessoal, foco e controle em ambientes de alta demanda.
  • Por que ler: Ajuda a manter clareza e equilíbrio emocional em meio ao caos do dia a dia profissional.

O trabalho invisível no design: o que ninguém vê, mas sustenta tudo was originally published in UX Collective