Desenhando a partir das margens
Como a vivência queer molda minha prática em UXTodo mês de junho, empresas ao redor do mundo trocam seus logotipos por versões com as cores do arco-íris (embora menos este ano). E todo mês de junho, muitas pessoas LGBTQ+ se preparam para a dissonância entre visibilidade e sinceridade. O Mês do Orgulho é um momento de celebração, mas também de reflexão: sobre o quanto já avançamos, o que ainda precisa mudar, e como nos podemos apoiar uns aos outros. Para boa parte de nós, é também quando o contraste entre os discursos corporativos e a realidade vivida se torna mais evidente.Como homem gay trabalhando com tecnologia e design, penso com frequência nas interseções entre a vivência queer e a experiência do usuário. Não da forma chamativa e estampada dos logotipos arco-íris, mas nas sutilezas de como navego o mundo e como isso informa o meu trabalho.Este não é um artigo sobre ser um designer gay ou um homem queer em TI. É sobre ser um designer cuja identidade queer molda silenciosa e persistentemente a forma como enxergo pessoas, sistemas e espaços. E o motivo por que isso importa agora mais do que nunca.Exemplos de logotipos corporativos com cores do arco-íris de 2022 (fonte)A vivência queer como forma de empatiaUm bom design exige empatia. Isso é algo óbvio na nossa área, mas para pessoas LGBTQ+ e para qualquer pessoa que já se sentiu “à margem”, empatia não é apenas uma habilidade de design: é sobrevivência. É o músculo que se desenvolve quando você está sempre decodificando sinais sociais, buscando segurança ou lidando com um mundo que claramente não foi feito pensando em você.Quando crio um formulário, penso no que significa não se ver representado nas opções. Quando desenho uma jornada do usuário, imagino quem pode hesitar antes de confiar na plataforma. Isso não é abstrato pra mim. São reflexos da minha experiência de vida. E agora que os direitos LGBTQ+ estão sendo atacados em lugares como os EUA, e movimentos de extrema-direita ganham força na Europa e no mundo, essa empatia é mais necessária do que nunca.Marcha do Orgulho em Lisboa, 2024 (fonte)A política da inclusãoNos Estados Unidos, estamos vendo leis que tentam apagar a existência queer da educação pública e restringir o acesso a cuidados de afirmação de gênero para jovens trans. Na Hungria, os direitos LGBTQ+ têm sido sistematicamente atacados. Até a Eurovisão, o festival musical queer por excelência, baniu bandeiras do Orgulho este ano.Estes não são casos isolados. E é fácil ver esses acontecimentos como algo distante e não relacionado com nosso dia-a-dia no design e na tecnologia. Mas estão interligados.Cada interface que criamos, cada sistema que apoiamos, pode combater a exclusão ou a reforçar.Design não existe no vácuo. Quando normalizamos certas identidades e excluímos outras, não estamos apenas tomando uma decisão de design; estamos tomando uma decisão política.Design é inerentemente político. Porque tudo o que fazemos (e não fazemos) é político.O reconhecimento facial já permitiu que o governo chinês perseguisse grupos minoritários (fontes: notícia, imagem)Design inclusivo não é só uma escolha técnica ou estética. É uma escolha moral. Estamos criando sistemas que permitem que as pessoas vivam como são, com segurança e autenticidade? Estamos prevendo possíveis danos, ou estamos ignorando-os?Isso significa pensar, por exemplo, no uso de nomes-mortos em cadastros, ou nos riscos das ferramentas de reconhecimento facial para pessoas trans. Significa entender que linguagem, imagens e valores default carregam poder.É por isso que o design inclusivo não pode se limitar a checklists de acessibilidade ou a campos opcionais de pronomes. Precisamos partir de uma compreensão mais profunda de como as pessoas vivem, temem, celebram e resistem.O poder de estar “fora do centro”Ser queer muitas vezes significa estar nas margens, quer seja socialmente, culturalmente ou até legalmente. Mas no design, as margens oferecem um ponto de vista poderoso. Você vê o que outras pessoas não veem. Questiona suposições que outras pessoas tomam por garantidas. Reconhece padrões que passam despercebidos a muita gente.Essa perspectiva é um presente, porque me leva a fazer perguntas melhores. Para quem é o produto? Quem estamos excluindo inconscientemente? Que suposições fizemos neste fluxo ou nesta interface? Não se trata apenas de representação visível. Trata-se de reimaginar como os produtos funcionam para pessoas que historicamente foram deixadas de lado.Neste Mês do Orgulho, penso menos nos logotipos arco-íris das empresas e mais na cultura de design:Quem é ouvido nas nossas críticas de design?Que situações são vistas como “casos extremos” e quais são prioritárias?Como tornamos nossas equipes mais empáticas, mais humanas, mais compreensivas?Penso no privilégio que tenho de poder falar, e na responsabilidade que isso acarreta.E penso no quão bom é encontrar outras pessoas que se importam. Que entendem. Que fazem esse trabalho não por ser moda, mas porque é o certo a faz

Como a vivência queer molda minha prática em UX

Todo mês de junho, empresas ao redor do mundo trocam seus logotipos por versões com as cores do arco-íris (embora menos este ano). E todo mês de junho, muitas pessoas LGBTQ+ se preparam para a dissonância entre visibilidade e sinceridade. O Mês do Orgulho é um momento de celebração, mas também de reflexão: sobre o quanto já avançamos, o que ainda precisa mudar, e como nos podemos apoiar uns aos outros. Para boa parte de nós, é também quando o contraste entre os discursos corporativos e a realidade vivida se torna mais evidente.
Como homem gay trabalhando com tecnologia e design, penso com frequência nas interseções entre a vivência queer e a experiência do usuário. Não da forma chamativa e estampada dos logotipos arco-íris, mas nas sutilezas de como navego o mundo e como isso informa o meu trabalho.
Este não é um artigo sobre ser um designer gay ou um homem queer em TI. É sobre ser um designer cuja identidade queer molda silenciosa e persistentemente a forma como enxergo pessoas, sistemas e espaços. E o motivo por que isso importa agora mais do que nunca.
A vivência queer como forma de empatia
Um bom design exige empatia. Isso é algo óbvio na nossa área, mas para pessoas LGBTQ+ e para qualquer pessoa que já se sentiu “à margem”, empatia não é apenas uma habilidade de design: é sobrevivência. É o músculo que se desenvolve quando você está sempre decodificando sinais sociais, buscando segurança ou lidando com um mundo que claramente não foi feito pensando em você.
Quando crio um formulário, penso no que significa não se ver representado nas opções. Quando desenho uma jornada do usuário, imagino quem pode hesitar antes de confiar na plataforma. Isso não é abstrato pra mim. São reflexos da minha experiência de vida. E agora que os direitos LGBTQ+ estão sendo atacados em lugares como os EUA, e movimentos de extrema-direita ganham força na Europa e no mundo, essa empatia é mais necessária do que nunca.
A política da inclusão
Nos Estados Unidos, estamos vendo leis que tentam apagar a existência queer da educação pública e restringir o acesso a cuidados de afirmação de gênero para jovens trans. Na Hungria, os direitos LGBTQ+ têm sido sistematicamente atacados. Até a Eurovisão, o festival musical queer por excelência, baniu bandeiras do Orgulho este ano.
Estes não são casos isolados. E é fácil ver esses acontecimentos como algo distante e não relacionado com nosso dia-a-dia no design e na tecnologia. Mas estão interligados.
Cada interface que criamos, cada sistema que apoiamos, pode combater a exclusão ou a reforçar.
Design não existe no vácuo. Quando normalizamos certas identidades e excluímos outras, não estamos apenas tomando uma decisão de design; estamos tomando uma decisão política.
Design é inerentemente político. Porque tudo o que fazemos (e não fazemos) é político.
Design inclusivo não é só uma escolha técnica ou estética. É uma escolha moral. Estamos criando sistemas que permitem que as pessoas vivam como são, com segurança e autenticidade? Estamos prevendo possíveis danos, ou estamos ignorando-os?
Isso significa pensar, por exemplo, no uso de nomes-mortos em cadastros, ou nos riscos das ferramentas de reconhecimento facial para pessoas trans. Significa entender que linguagem, imagens e valores default carregam poder.
É por isso que o design inclusivo não pode se limitar a checklists de acessibilidade ou a campos opcionais de pronomes. Precisamos partir de uma compreensão mais profunda de como as pessoas vivem, temem, celebram e resistem.
O poder de estar “fora do centro”
Ser queer muitas vezes significa estar nas margens, quer seja socialmente, culturalmente ou até legalmente. Mas no design, as margens oferecem um ponto de vista poderoso. Você vê o que outras pessoas não veem. Questiona suposições que outras pessoas tomam por garantidas. Reconhece padrões que passam despercebidos a muita gente.
Essa perspectiva é um presente, porque me leva a fazer perguntas melhores. Para quem é o produto? Quem estamos excluindo inconscientemente? Que suposições fizemos neste fluxo ou nesta interface? Não se trata apenas de representação visível. Trata-se de reimaginar como os produtos funcionam para pessoas que historicamente foram deixadas de lado.
Neste Mês do Orgulho, penso menos nos logotipos arco-íris das empresas e mais na cultura de design:
- Quem é ouvido nas nossas críticas de design?
- Que situações são vistas como “casos extremos” e quais são prioritárias?
- Como tornamos nossas equipes mais empáticas, mais humanas, mais compreensivas?
Penso no privilégio que tenho de poder falar, e na responsabilidade que isso acarreta.
E penso no quão bom é encontrar outras pessoas que se importam. Que entendem. Que fazem esse trabalho não por ser moda, mas porque é o certo a fazer.
Desenhando um mundo que nos inclua
Design nunca é neutro. Toda decisão que tomamos inclui algumas pessoas e exclui outras. Como pessoas queer em tecnologia, trazemos uma compreensão vivida do que é estar do lado de fora. Isso pode doer, mas também pode nos tornar melhores ouvintes, colaboradores mais conscientes e designers com mais ousadia.
Temos a oportunidade de ir além da inclusão simbólica e buscar transformação real. De perguntar não só “como podemos incluir mais pessoas?”, mas também “como seria isto se tivesse sido pensado desde o início de forma diferente?”.
Esse trabalho nem sempre é fácil, mas é necessário.
E durante o Mês do Orgulho, lembro que não estamos a sós nisso. Cada produto inclusivo, cada decisão de design ético, cada equipe que valoriza a diferença, é um passo rumo a um mundo digital mais justo.
Então, neste Mês do Orgulho, não celebro só a visibilidade. Celebro o trabalho silencioso e contínuo de tornar os espaços digitais mais inclusivos. Celebro designers que questionam padrões, defendem casos extremos e desenham a partir das margens.
Porque é nas margens que o futuro está sendo desenhado.
Feliz Mês do Orgulho