C6 Fest 2025: Wilco encanta, The Last Dinner Party histeriza, Air hipnotiza e Nile Rodgers faz bailar

De promessa no calendário nacional de festivais quando surgiu em 2023, o C6 Fest adentrou 2025 reafirmando seu potencial enquanto ajusta – em pleno voo – seu formato

May 28, 2025 - 13:55
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C6 Fest 2025: Wilco encanta, The Last Dinner Party histeriza, Air hipnotiza e Nile Rodgers faz bailar

texto de Marcelo Costa
fotos de Fernando Yokota

De promessa no calendário nacional de festivais quando surgiu em 2023, o C6 Fest adentrou 2025 reafirmando seu potencial enquanto ajusta – em pleno voo – seu formato: em sua terceira edição, o festival separou (acertadamente) os “dias de jazz” (quinta e sexta) da programação “pop” (sábado e domingo) e, novamente, ouviu seu público: se em 2024, a produção atendeu ao pedido da audiência ao oferecer um único ingresso para os palcos externos do Ibirapuera (na primeira edição, o festival seguiu o formato de ingresso por palco usado pela produtora Dueto tanto no Free Jazz Festival, entre 1985 e 2001, quanto no Tim Festival, de 2003 a 2008), em 2025, após muita gritaria nas redes socais, a produção ajustou de uma maneira mais acertada os horários de alguns shows. Não resolveu o problema como um todo (quem queria ver Pretenders e Gossip, por exemplo, teve de escolher qual dos shows iria perder), mas melhorou muito o domingo.

Foto: C6 Festival / Divulgação

Se em 2025, o C6 Fest seguiu enfrentando os desafios da administração do Parque Ibirapuera – a reforma da Marquise, autorizada em fevereiro de 2024 (ao custo de R$ 71,9 milhões) com duração de 16 meses, ainda impede o evento de ter um espaço único (como em sua primeira edição), fazendo com que o público precise se deslocar pelo parque (e fora do ambiente do festival) entre um palco e outro –, a curadoria demonstrou muito mais equilíbrio, o que rendeu um grande número de bons shows. Ainda assim, é preciso pontuar que a tenda definitivamente não comporta grandes atrações: se nos shows de Pavement e Cat Power em 2024, a lotação já estava no limite, transbordando para fora do ambiente, no show do Wilco, no domingo (no único dos quatro dias em que os ingressos, de valor elevado, não esgotaram), tornou-se um desafio assistir à banda sem levar esbarrões e empurrões ou ter que, a todo momento, desviar o olhar das árvores (!?) para acompanhar a movimentação no palco. É preciso rever a função desse palco.

Agnes Nunes / Foto de Fernando Yokota

E foi no palco 2, com patrocínio da Metlife, que o C6 Fest deu a largada para os shows do fim de semana com uma apresentação cativante de Agnes Nunes. Diante de um público atento, a jovem baiana de Feira de Santana convidou todos os presentes para um forrozim (“É dois pra lá e dois pra cá, não tem segredo”, provocou), mostrou canções de seu disco mais recente, “O Amor e Suas Variáveis” (2024), e cantou músicas de Gonzaguinha (“Lindo Lago do Amor”), Erasmo Carlos (a onipresente “É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo”, hit da trilha sonora do oscarizado “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles) e Chico César (“Mama África”) além de convidar Xamã ao palco para um dueto em “Cida” (canção dele que conta com feat dela), num show simpático e de boa vibe, perfeito para abrir o dia.

Peter Cat Recording Co. / Foto de Fernando Yokota

Na sequência, e ainda na tenda, o quinteto indiano Peter Cat Recording Co. surgiu com um dos shows mais singulares do fim de semana. De camisa rosa, jeitão de dândi triste que carrega o peso do mundo nas costas e Harmonium, o líder Suryakant Sawhney deu início ao show com a bela “Flowers R. Blooming”, canção que também abre “BETA” (2024), disco mais recente dos caras. Enquanto os parceiros trocavam de instrumentos para tocar “Soulless Friends”, do álbum “Bismillah” (2019), Sawhney acendeu o primeiro dos cigarros que ele fumaria durante o show, e deu tragadas tão apaixonadas que o ato, cada vez mais raro no universo politicamente correto das artes, sugeria uma deliciosa transgressão. Foi um set curto de apenas oito canções envolventes – sugerindo proximidade tanto com Calexico e Lambchop quanto com Tindersticks e Pulp – que deixou o desejo de vê-los novamente em um lugar mais aprazível do que uma tenda no meio de um dia de sol.

Perfume Genius / Foto de Fernando Yokota

Enquanto a tenda era preparada para o próximo show foi possível dar uma esticada nas pernas e assistir a duas músicas meio sem graça do Beach Weather na Arena Heineken, palco externo do Auditório com capacidade para cerca de 15 mil pessoas, e ter certeza que o melhor lugar do evento no fim de tarde não seria ali. Sabia decisão, pois Mike Hadreas aka Perfume Genius fez uma apresentação apoteótica diante de uma tenda tomada por fãs. Acompanhado por um quarteto – do qual se destaca Meg Duffy na guitarra –, Hadreas passeou por seu disco mais recente, “Glory” (2025), com seis canções do álbum presentes no set (cinco delas tocadas em sequência na abertura do show), números sobre depressão e perda que ele cantava enquanto se enrolava em cabos e travava uma dança sensual com uma cadeira, para delírio dos presentes, que celebraram ainda mais a chegada de singles como “On the Floor” (2020), “Slip Away” (2017) e “Queen” (2014). Belo show.

Gossip / Foto de Fernando Yokota

Ao deixar a tenda no momento que A.G. Cook começava um set farofa (disseram que melhorou depois), ficava também a sensação (corroborada posteriormente por vários profissionais) de que Beth Ditto e seu Gossip fariam um tremendo show, mas como é impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo, partiu celebrar a carreira de uma das mulheres mais emblemáticas do pós punk britânico, a musa que, ao contrário dos Sex Pistols, sabia que haveria futuro: Chrissie Hynde. Ela, que já morou no centro de São Paulo (cuja versão atual não deve muito à Londres decadente do final dos anos 1970), declarou-se “(quase) paulistana” e ofereceu aos presentes uma apresentação feroz e raivosa dividida entre hits incontestes (“Back on the Chain Gang”, “Don’t Get Me Wrong”, “Middle of the Road”, “I’ll Stand by You”) e rocks ásperos e sem polimento de 1980 (“Precious”), 1981 (“Talk of the Town”), 2020 (“Junkie Walk”) e 2023 (“Let The Sun Come In”), números que o guitar hero James Walbourne aproveitou para se esbaldar em solos intensos coroando uma belíssima apresentação.

The Pretenders / Foto de Fernando Yokota

Para encerrar a terceira noite do C6 Fest 2025, o Air trazia a tiracolo “Moon Safari”, seu manifesto retrô-futurista que deu pontapé inicial em sua carreira, e se havia alguma dúvida de como o som lento, grave, psicodélico e camerístico do álbum iria funcionar no imenso espaço aberto da arena externa do Auditório Ibirapuera, os pouco mais de sete minutos de “La Femme d’Argent”, que abre o disco e o show, mostraram que a noite seria bastante especial. Como adiantaram em coletiva de imprensa à jornalistas brasileiros, Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel (acompanhados ao vivo pelo baterista Louis Delorme) estão tocando o álbum do jeitinho que ele foi lançado em 1998 (na época, cansados pelo longo período de produção do disco, a dupla modificava as canções ao vivo, buscando novos arranjos), o que transformou a noite de sábado em uma experiência surpreendente, ainda que seja necessário ressaltar o pouco uso da parte superior do Auditório para projeções (o Air fez projeções pontuais enquanto o Kraftwerk, em outro ano, transformou a obra de Oscar Niemeyer em um elemento de sua apresentação). Um belíssimo show que, no entanto, teria funcionado melhor no domingo, afinal São Paulo celebrava sua Virada Cultural, e, mais do que sonhar com o Air, seria melhor ferver com Nile Rodgers num esquenta para a madrugada.

Air / Foto de Fernando Yokota

Com line-up anunciado em outubro de 2024, o C6 Fest foi surpreendido com a decisão da Prefeitura de São Paulo de realizar uma Virada Cultural repleta de shows gratuitos no mesmo final de semana do evento. Com shows espalhados por vários cantos da capital paulista, a Virada Cultural competiu, inevitavelmente, com o festival, tanto que a cobertura do Scream & Yell tinha como plano acompanhar não só alguns shows que invadiriam a madrugada (a saber: Kid Creole and the Coconuts, Pato Fu e Karnak) como também assistir aos shows de Marina Lima (cancelado na véspera do evento) e das argentinas da Fin del Mundo no centro da cidade no domingo, prevendo chegada ao Ibirapuera pouco antes do início do show da banda English Teacher. A apresentação das garotas da Patagônia, porém, atrasou 45 minutos, matando a oportunidade de conferir ao vivo a boa surpresa em disco apresentada pelo grupo formado no conservatório musical de Leeds, no Reino Unido. Mas nada de chorar sobre a Lagunitas (de R$ 23) derramada (ok, pode derramar umas lágrimas sim).

The Last Dinner Party / Foto de Fernando Yokota

De volta à tenda no Ibirapuera, duas formas de catarse se seguiram. Primeiro, a estreia do The Last Dinner Party. Grupo formado em Londres em 2021 por quatro garotas queer e uma não-binárie que lançaram seu debute em 2024 colhendo prêmios e elogios, o sexteto (que ainda conta com o baterista Casper Miles ao vivo) causou uma comoção semelhante à das passagens de Lana Del Rey e Florence Welch pelo país. Seu som, porém, ainda que resvale aqui e ali na pegada mística da segunda, é mais amplo com referências que podem abrigar tanto o rock setentista de Queen e Fleetwood Mac quanto o pop barroco de Kate Bush e a new wave do Blondie (relembrado com uma versão forte de “Call Me”). Com dezenas de fãs com cartazes trazendo frases de letras de canções do álbum “Prelude to Ecstasy”, de 2024, e uma histeria apaixonada que só se viu nesse show no festival, The Last Dinner Party foi o grande acerto do C6 Fest em 2025: nada como assistir ao vivo a uma banda cujo frescor (tanto sonoro quanto visual) ainda é latente. E a banda cumpriu as expectativas com uma apresentação apoteótica.

Foto de Fernando Yokota

O segundo momento de catarse do C6 Fest aconteceu com a terceira passagem do Wilco pelo país. E se a histeria adolescente marcou o show anterior, na vez do grupo de Jeff Tweedy o que se viu foi uma comoção controlada de um público +35, com sorrisos bestas de felicidade estampados no rosto e lágrimas rolando pelos olhos (inclusive, do próprio líder da banda, que se emocionou com o público cantando “Jesus, Etc.”). O clima na conversa com a imprensa, dois dias antes, foi replicado no palco: a sensação é que o Wilco é uma família, da qual os fãs também fazem parte, que vive um momento de completa harmonia, com os seis músicos se dando tão bem que, inevitavelmente, isso transparece no show. A palavra “impecável” é perfeita para definir essa apresentação, porque o que se viu no C6 Fest foi uma banda (com 30 anos de carreira) no auge de sua força ao vivo. O repertório, nitidamente escolhido à dedo por seu líder (como ele confidenciou aqui), também ajudou, com várias canções do menosprezado “A Ghost is Born” (2004) e pequenas joias como “Pot Kettle Black”, “Either Way”, “Via Chicago”, “Hummingbird”, “I Am Trying to Break Your Heart”, “Impossible Germany” (com Nels Cline voando no solo e levando o público consigo) e do contagiante coro brasileiro em “Spiders (Kidsmoke)”. Foram só 90 minutos, mas vai ficar pra vida.

Wilco / Fotos de Fernando Yokota

Ainda haveria bailão black pela frente com a lenda Nile Rodgers resgatando uma porção de hits incontestes de sua carreira, seja com a banda Chic (“Le Freak”, “Everybody Dance”, “My Feet Keep Dancing”), com David Bowie (“Let’s Dance”, “Modern Love”), Madonna (“Like a Virgin / Material Girl”), Duran Duran (“Notorius”), Beyonce (“CUFF IT”), Diana Ross (“I’m Coming Out”, “Upside Down”) e Daft Punk (“Get Lucky” e “Lose Yourself to Dance”). Se o show todo remete a um grande baile de formatura (sem garrafas de uísque e garçons servindo salgadinhos), com uma bandaça altamente competente (ainda que o show seja apresentado como “Nile Rodgers & Chic”, o guitarrista é o único membro da formação original do Chic no palco), isso acontece porque é tanto hit ao vivo tocado pela mesma banda que, inevitavelmente, se pensa num baile, e o público presente não decepcionou, jogando as mãos ao ar, dançando, fazendo passinhos de baile e tudo mais, num fecho de ouro para a edição 2025 do provável melhor festival do ano no país.

Nile Rodgers / Foto de Fernando Yokota

Isso quer dizer que o C6 Fest pode dormir tranquilo? Bem, um descanso é merecido, mas a edição 2025 deixou nítido que o festival ainda não encontrou seu formato ideal, pois tanto a tenda não se mostra adequada para artistas de carreira mais longeva e público fiel (a experiência de assistir a Pavement, Cat Power e Wilco seria muito melhor se esses shows tivessem sido na arena) quanto o espaço Pacubra fica subaproveitado durante quase todo o dia: faz total sentido transforma-lo em uma pista de dança pós festival, mas durante o evento a frequência é muito baixa (algumas vezes tem mais gente no DJ Set do que na pista). O Pacubra poderia alternar com a programação da tenda até às 20h/21h bandas e jovens promessas de rock, jazz e rap ou até mesmo ser um espaço de projeção de filmes (com curadoria esperta do In-Edit, por exemplo) para serem assistidos com fones de ouvido, por exemplo – o vasto salão, inclusive, poderia até receber uma feira de discos…

Foto: C6 Fest / Divulgação

Outro ponto que norteia muitas das críticas ao evento é o alto preço dos ingressos para um festival que carrega a marca de um banco, fator que, sem nenhuma dúvida, elitiza a audiência. Alguém pode até argumentar que mesmo com os ingressos num preço elevado, três dos quatro dias esgotaram os tickets – e mesmo o domingo, que não esgotou, estava bastante lotado a ponto de o excesso de pessoas incomodar no show do Wilco na tenda. Porém, a questão é muito mais ampla e perpassa embates históricos (principalmente na história do jazz, que exibe centenas de casos em que artistas negros se apresentavam em casas de shows com entradas liberadas apenas para pessoas brancas) que, num festival, podem ser flagrados pela falta de sincronia entre os artistas que estão no palco e a grande maioria do público que os assiste. São fatos que precisam de atenção, pois o C6 Fest, após três ótimas edições, já provou que tem toda a capacidade de criar uma história tão bonita quanto a do Free Jazz e do Tim Festival, seus predecessores. Que a edição de 2026 seja ainda melhor (de preferência, com a Marquise restaurada e um espaço único de trânsito entre os palcos)… Fica a nossa torcida…

Ps. A gente torce também para que o C6 Fest cogite ter uma edição de outono em maio e outra de primavera em novembro… É só um desejo sonhador, mas bem que poderia rolar mesmo, né.

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– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br