Entrevista: “(O Circuito) Festival Casarão é a coisa mais diferente em termos de eventos de 2025”, diz Vinicius Lemos
"A construção de um Circuito cumpre uma logística. Toda edição a gente tentava fazer com que outros produtores fizessem eventos e rachassem os custos. Agora é construir uma rede", diz Vinicius

entrevista de Marcelo Costa
O Brasil é um país imenso, e ainda que a afirmação possa soar óbvia e clichê, é preciso sempre pontuar e refletir sobre ela. Afinal, é estranho confirmar que a maioria esmagadora de artistas internacionais que dizem que vão fazer show no país, estejam marcando uma única data no Sudeste, mais precisamente em São Paulo, às vezes estendendo para Rio de Janeiro e Belo Horizonte, quando muito acrescentando Sul (Curitiba e Porto Alegre) e Centro Oeste (Brasília). Norte e Nordeste, porém, seguem a margem, mas, num exercício de sobreposição de continentes, é possível verificar que tanto Canadá (América do Norte) quanto os países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia) não sofrem do mesmo problema, recebendo shows e grandes eventos.
“É preciso acrescentar o custo amazônico, a dificuldade de passagens e de estrutura, o que torna tudo ainda mais complexo”, pontua Vinicius Lemos durante a troca de e-mails que rendeu a entrevista abaixo. Vinicius é o produtor do Festival Casarão, realizado em Porto Velho, Rondônia, desde 2000. Ou seja, o Casarão (instagram.com/festivalcasarao) está festejando 25 anos de existência e resistência, levando a música brasileira moderna para o território amazônico. Em 2025, ele voa ainda mais alto buscando conectar cidades através do Circuito Casarão com shows em Porto Velho (18, 19 e 20/06) Rio Branco (19 e 20/6), Manaus (20, 21 e 22/6) e Boa Vista (21 e 22/6), além de São Paulo (18/6), Brasília (18, 21 e 22/6) e Goiânia (18 e 19/6). “Será que tem coisa mais diferente e nova do que estamos fazendo esse ano? Uma rede própria de circulação e festivais? “Nossa iniciativa é pioneira e faz todo sentido”, pontua o produtor.
Vinicius Lemos tem razão. Ainda que existam diversos heróis que não usam capa produzindo festivais resistentes e de grande visibilidade na região (do Mada e DoSol em Natal passando pelo Carambola em Maceió, BR135 em São Luís, Psica e Se Rasgum em Belém, Afropunk e Radioca em Salvador, Abril Pro Rock em Recife e tantos outros), a criação de um circuito se torna extremamente necessário para dividir custos e levar artistas para uma agenda mais extensa pela região: “A nossa (proposta) é uma interligação mesmo de produção, o festival contando com produções e parceiros locais sendo realizado com a mesma ideia no mesmo final de semana e com a divisão de atrações”, explica Vinicius. Na conversa abaixo, ele ainda relembra as primeiras edições do Casarão, que começou como uma festa em um casarão do século 19 famoso na cidade, pontua a importância dos editais e destaca alguns nomes locais. Leia abaixo!
Em 2025, o Festival Casarão comemora 25 anos de existência! Quais são suas lembranças dessa primeira edição? Como foi decidir fazer um festival de música em Porto Velho no ano 2000?
Em 2000, eu estava na faculdade ainda, no meu segundo ano de Direito e fazia muitas festas, tinha feito o show do Ira! e alguns eventos menores. A lógica da cidade era diferente, com uma capital um tanto com demora em assimilar as novidades e tendências, com uma vida mais pacata e mainstream. No entanto, era uma época que muita gente estudava fora, pelas poucas faculdades que existiam na época em Rondônia, com uma legião de estudantes que iam embora e tinha um movimento bem interessante no mês de julho, quando todo mundo voltava para ver os pais e a cidade ficava lotada com um público diversificado, acostumado a diferentes festas, festivais, bandas, raves, etc, esse momento era diferente até de dezembro e janeiro quando todo mundo viajava com os pais sem necessariamente vir para Porto Velho. Então, julho era o ápice da junção público local + público de férias acostumado a novidades. Todo mês de julho tinha um calendário não oficial de festas diferentes, carnaval fora de época, festa à fantasia, festas fora da cidade e eu queria entrar nesse calendário, até que achei o Casarão da extinta cidade de Santo Antônio do Madeira, anexada a Porto Velho nos anos 1930. Esse Casarão do século 19, construído no auge da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, na beira do Rio Madeira, 7km de Porto Velho, era perfeito e em 20 dias conseguimos achar o arrendatário do local, fechar (o aluguel) e planejar num evento, com bandas e DJ, algo pequeno, sem tanto investimento, pensando em algo diferente para que pegasse, afinal (para ir pra lá) passava por cima da Estrada de Ferro, por uma ponte do século 19, por um portão macabro e uma estrada de terra, estacionando no meio da floresta, o público tinha que ter coragem. Eu pensava que se 200 amigos/colegas da produção (eu, quem ajudava e as bandas) fossem, daria certo. No dia, na hora, tinha fila de carros de mais de km e deu cerca de 800 pessoas. Sucesso total e a ideia de manter essa festa para o calendário de julho de 2001. Assim, nasceu o Festival Casarão, mas ainda como Festa no Casarão.
Eu adoraria ter ido nessa edição inaugural! Esse Casarão, onde aconteceu o festival, não existe mais? E quais bandas você escalou para essa primeira edição?
O local Casarão foi interditado pela Usina (Hidrelétrica Santo Antônio) em 2009 e foi utilizado como escritório da construção durante todo o período em relação anterior ao funcionamento da Usina, algo entre 2009 até 2015. Quando a Usina passou a operar, até a pandemia funcionava como um escritório ainda, não mais pela construção, mas pela proximidade da Usina. Com a pandemia, parece que foi desativado e, com isso, deixado de lado, sem preservação alguma. Parece que a família que cuidava como arrendatária anteriormente luta para reaver o imóvel. Quem sabe se eles conseguirem, não possamos voltar a realizar o festival no local, que hoje está totalmente abandonado. Houve uma reportagem do Orlando Lima Jr. sobre o festival, ele conseguiu umas imagens de lá, totalmente abandonado.
Quando você decidiu se envolver com essa coisa maluca de fazer festival, você imaginava que o festival fosse durar tanto tempo?
Eu escrevia sobre álbuns e shows desde 1999 no Diário da Amazônia no caderno de domingo. TInha 18 anos e me interessava por tudo, pela cena nacional, festivais e músicas, até partir para a produção mesmo. Só que na época era tudo festa, eventos locais e menores, até que em janeiro de 2002, já com duas edições com sucesso da Festa no Casarão, abri o Território Rock Bar e foi a explosão da cena local, com muitas bandas aparecendo para tocar, o que fez com a terceira edição fosse uma das melhores edições do Casarão. E tudo foi se consolidando com mais bandas e mais tradição para manter o evento. Em 2004 tivemos bandas do interior do Estado e em 2005 trouxemos Cachorro Grande, Ludov e Mezatrio, com o boom da MTV olhando pra essas bandas. Ali a transição estava feita, de Festa no Casarão para Festival Casarão e os anos subsequentes a 2005 foram de consolidação do Festival Casarão, com muitas bandas vindo, como Matanza, Los Porongas, Ecos Falsos (2007) e, com o edital da Petrobras em 2008, Dead Fish, Pitty, Cachorro Grande, Mukeka di Rato, Do Amor, Daniel Belleza, etc. Então, o festival se firmou e dialogava com o que tinha de produção nacional, tanto de bandas e atrações quanto da associação, como a ABRAFIN e depois a FBA. Foi algo não planejado, simplesmente fazendo edição após edição, sem entender que da festa de 2000 resultaria num festival dessa magnitude e impacto.
Essa comemoração de 25 anos não é só especial pela data, mas também porque o festival permanece em Porto Velho, mas estende seu alcance para outras capitais. Como surgiu essa ideia de uma versão itinerante do Casarão?
A gente teve um hiato a partir de 2014 e em 2019 (em termos de pré-produção), quando iríamos voltar para comemorar os nossos 20 anos em 2020, com line-up definido, veio a pandemia e adiou o plano para 2021, depois para 2022. Nisso, uma edição comemorativa no peito e na raça entrou no circuito dos editais e ganhamos o Edital da Funarte de Festivais 2020 e o do Basa 2021, culminando nos dois apoios para a edição da volta em 2022. Esses mesmos editais nos contemplaram para 2023 e mantivemos o projeto. Infelizmente não tivemos editais para 2024, o que fez com que a edição não rolasse, mas percebo motivos para construir a rede: o primeiro foi o Bruno, da banda Ultimato, que é de Rondônia, mas hoje está radicado em Goiânia, utilizar da marca da Festival para circular com o Circuito Casarão com shows em Rio Branco, Manaus e Boa Vista, depois fez São Paulo e Goiânia.
O apoio de editais é muito importante para a realização de um festival como o Casarão, certo?
Acho que é a mola propulsora dessa possibilidade e, infelizmente, apesar de contemplados no Edital da Petrobras, pela negociação e prazos internos, a gente deixou e optou para utilizarmos em 2026, o que torna essa edição ainda mais complexa e difícil, mas os editais são o que possibilita que a gente traga o que não tem um grande alcance de público e o que chamo de nova música brasileira. O custo de um festival é imenso e os preços dos ingressos não ultrapassa 80 reais no segundo ou terceiro lote, o que torna inviável um evento somente com bilheteria e bar. É preciso acrescentar ainda o custo amazônico, a dificuldade de passagens e de estrutura, o que torna tudo ainda mais complexo. Ainda sinto falta de mais editais específicos, voltados a música e com critérios por região.
Essa edição 2025 do Festival Casarão demonstra que o festival não quer ser apenas regional, mas sim nacional. É isso mesmo? Como você posiciona o Casarão a partir de agora?
A ideia da cena de hoje (e todos os editais) é circulação. O que envolve circulação tem uma abertura maior, pontua mais e realmente diferencia tudo. Logo, a circulação é o novo caminho e entendemos isso muito bem na edição 2023 e nos editais de 2024, inclusive construindo o que seria o Circuito Festival Casarão, com shows menores em diversas cidades e, agora, culminando nessa construção nacional. É a busca de se posicionar em cidades que são próximas e com mercados parecidos ou melhores, como Rio Branco (próxima) e Manaus (próxima e um grande mercado) ou que a logística ajude, como Brasília (toda conexão de aeroporto vindo para o Norte quase sempre para em Brasília). A partir desse ano, para uma concepção de construção, a gente quer sempre manter essas cidades, como uma extensão, sem pensar em produtores ajudando a dividir custos, mas construindo com a gente novos centros, mercados e bilheterias e, com isso, se posicionando em termos de marca, de iniciativa e de respaldo para os patrocinadores, inclusive para continuar existindo. De certa maneira, se olhar para produção nacional, será que tem coisa mais diferente e nova do que estamos fazendo esse ano? Uma rede própria de circulação e festivais? Talvez os grandes centros, imprensa e patrocinadores não viram isso ainda (tirando a Petrobras que nos escolheu no edital), mas a nossa iniciativa é pioneira e faz todo sentido. É a grande novidade no mercado. O Festival Casarão é a coisa mais diferente em termos de eventos de 2025!
Em uma entrevista recente que fiz com Lúcio Ribeiro, ele salientou a importância da circulação para o desenvolvimento da cena. Mas mesmo no Sudeste há dificuldades em criar um circuito, o que por si só já valoriza essa ideia do Circuito Festival Casarão, afinal, é o primeiro passo para algo que pode ser muito benéfico para bandas e produtores, pois uma coisa é ir fazer um único show em Manaus, Natal, Rio Branco ou Porto Velho. Outra é ter a possibilidade de passar por quatro ou cinco cidades conectadas por uma rede, certo?
A construção de um Circuito é necessário e cumpre essa logística. Toda edição a gente tentava fazer com que outros produtores parceiros fizessem os eventos e rachassem os custos. Agora, com a gestão de ingressos on-line e tudo mais que facilita a produção, é construir uma rede e poder dividir estes custos de modo mais fácil, o que se torna necessário. Acho que esse é o diferencial, até em termos de projeto, o Festival se multiplicar. Talvez só tenhamos visto isso no Grito Rock, com uma tentativa parecida, mas numa descentralização da produção, com cada um fazendo quando e como pudesse. A nossa (proposta) é uma interligação mesmo de produção, o festival contando com produções e parceiros locais sendo realizado com a mesma ideia no mesmo final de semana e com a divisão de atrações.
O que você destaca não apenas do line-up, mas das cidades que vão abrigar o Festival Casarão 2025. Será a primeira vez do The Monic em Boa Vista e do Mombojó em Rio Branco?
A construção do line-up sempre é feita de modo a trazer novidades, mesmo que históricas, como o Mombojó que nunca veio à Porto Velho e Rio Branco, por mais que seja uma banda de mais de 20 anos ou o Rancore em Rio Branco e o The Monic em todas as cidades. Isso é um diferencial local, trazer a novidade para essas cidades e colocá-las no mapa da rota na atual música brasileira. Essa é a grande concepção do festival em si, trazer essas novidades e sempre ser pioneiro de proporcionar o que aquela cidade dificilmente veria sem o festival e, ainda, conseguir uma logística melhor, diante de tantas cidades.
Dos nomes locais, há veteranos dentro do próprio festival, como Quilombocada e Beradelia, artistas que já estão tendo um certo reconhecimento em outros estados, como Kanichi e O Tronxo, e muitos nomes novos. Como você vê a cena musical do Norte do país hoje?
Acho que o Norte tem duas realidades, a grande cena de Belém, que já conseguiu, de certa maneira, se expandir e chegar até os grandes centros para circular. e as demais cenas. Em termos de talento, a cena do Norte é bem rica, com diversidade de estilos e conceitos. Acho que o Festival vai mostrar isso, contando com ao menos quatro cenas pujantes e diferentes. Acho que agora é a hora das cenas buscarem a interligação entre si, não só pelo festival, mas em outros eventos, realizando tours e, principalmente, apostando em projetos de circulação. Por exemplo, a Quilomboclada está circulando no Brasil inteiro pelo projeto Sonora Brasil e, salvo engano, já percorreram mais de 20 cidades. Esse é o caminho. A cena precisa construir o que Belém construiu, não só uma sonoridade própria, mas um alcance em outros locais, viajar o país e ter um reconhecimento. Eu vejo grandes destaques, como em Manaus, as antigas Cabocriolo, Elisa Maia e Johnny Jack Mesclado e a mais recente Casa de Caba, além do pop da Doral e Não Existe Saudade.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.