Entrevista: Rodrigo Nassif Trio apresenta “Pegando Estrelas”, single de seu novo EP

“Pegando Estrelas” é o nome do novo lançamento da Rodrigo Nassif Trio, um EP que ainda não tem data de lançamento nem formato oficial escolhido.

May 30, 2025 - 18:25
 0
Entrevista: Rodrigo Nassif Trio apresenta “Pegando Estrelas”, single de seu novo EP

entrevista de Leonardo Vinhas

“Pegando Estrelas” é o nome do novo lançamento da Rodrigo Nassif Trio, um EP que ainda não tem data de lançamento nem formato oficial escolhido. O disco antecessor, “Estrada Nova”, ganhou lançamento primeiramente em vinil pela 180 Selo Fonográfico em 2021, e demorou cerca de dois para chegar às plataformas de streaming, em 2023. Nassif não tem pressa e nem deseja seguir as regras do mercado, preferindo criar suas próprias regras. E isso não o impede de viver de sua música.

O EP “Pegando Estrelas” trará quatro faixas do qual apenas a faixa título foi lançada, por ora apenas no Youtube (com um belíssimo clipe filmado nas ruas de Porto Alegre, dirigido por Daniel Laimer de Almeida). “É o trabalho mais bonito que já fiz”, me escreveu quando me enviou um e-mail para apresentar o trabalho.

E, de fato, a composição é belíssima – como são as outras três, que o Scream & Yell ouviu com exclusividade. “A Vida pela Frente”, “A Dança das Brumas” e “Estampa de Artista” têm a sofisticação instrumental, o peso rítmico e os caminhos pouco óbvios que caracterizam o folk jazz do trio. Tem, também, uma produção excelente, que consegue o nada modesto feito de registrar a intensidade da execução que o trio – completado por Juliano Pereira e Leandro Schirmer – costuma apresentar nos palcos.

Enquanto Nassif matuta sobre a maneira de lançar as três faixas restantes, ele concedeu uma entrevista ao Scream & Yell para falar sobre como essas novas faixas são influenciadas tanto pelas provações da pandemia como por um “otimismo científico”, sobre a influência da paternidade no processo criativo, e sobre a “ilusão” das plataformas de streaming. Um papo que, como a música que ele cria, abre cabeças.

Esse EP foi composto em circunstâncias bem diferentes de todos os anteriores: durante a pandemia, e após a paternidade. Isso interferiu em seu processo criativo?
Muito! Foi uma época em que eu estava com poucas atividades que não fossem ser pai, e ser pai estava me tomando praticamente todo o meu tempo. Não estava envolvido com nada que me trouxesse remuneração financeira. Meu filho nasceu em 15 de julho de 2021, ainda era pandemia, e por isso eu e minha companheira estávamos 100% envolvidos em garantir o bem-estar dele. Mas o mais incomum é que a faixa-título do EP novo, eu a compus dormindo! Era uma madrugada, 3h30 da manhã, minha esposa já estava exausta de tentar fazer o bebê dormir, e ela me acordou e pediu para eu tentar acalmá-lo. Eu o trouxe para a sala, ele estava naquela fase em que os bebês têm de fazer pinça com as mãos para pegar tudo o que podem, sabe? Estava uma noite super linda, fria demais, e disse para ele, “olha o céu, a lua, as estrelas”. Ele só balbuciava (risos), eu segui mostrando as luzes daquela janela, falando pra ele, “vamos dormir, velho, amanhã a gente continua a nossa conversa” (risos). Mas teve uma hora que mostrei de novo a lua, o céu e as estrelas, e ele ficava tentando pegá-las. Achei aquela cena tão enternecedora, tão tocante! Ao mesmo tempo, uma coisa tão simplória, não vou dizer pueril, mas era muito emocionante. Quer dizer, uma pessoa querer pegar uma estrela com a mão! É não ter a noção de nada ainda: de distância, de proporção. E isso é muito poético. E ele dormiu! Se acalmou e dormiu no meu colo. Larguei-o na caminha dele, minha esposa estava desmaiada no quarto, e aí tirei o violão do estojo e fui tentar compor alguma coisa com aquela cena na cabeça ainda. Eu estava muito cansado, já eram 4h30 da manhã, e aí gravei e fui dormir, sem escutar o que eu tinha feito. No outro dia, minha sogra veio nos dar uma mão em casa, e decidi sair para ir pra academia, de máscara e tal, e lembrei da música que eu tinha feito e botei pra ouvir no carro. E fiquei muito surpreso! Pensei, “que coisa maluca, ela ficou em 9/8” (um compasso composto, de subdivisão mais complexa). Mesmo assim ela ficou tão leve, com esse andamento mais chutado pra frente… Tem vários aspectos dela cobertos de camadas de sutilezas na composição. Primeiro que quase ninguém consegue perceber que ela é uma valsa. Porque uma valsa com esse compasso, parece que está pairando no ar de tão leve! E segundo que a gente privilegiou a troca de registros no arranjo, com a flauta transversa gravada maravilhosamente pelo Luizinho Santos, dois violões, um piano Fender Rhodes, toquei um mellotron, tem viola, violino e cello, tem baixo…Todo esse arranjo trouxe uma atmosfera muito envolvente, climática, diria até algo épica. Por questões de contrato, ela foi feita em 2022, mas só lançada três anos depois.

E vocês fizeram esse vídeo (acima) para ela, que também foi super bem cuidado.
Sim. O clipe também está pronto há dois anos, mas não tinha sido lançado. É a primeira música 100% independente que eu coloco no mercado – não teve selo, crowdfunding, nada. É um momento da vida em que estou retomando as rédeas do meu trabalho, e mais uma vez não estou no Spotify (risos). Nem lá, nem nos outros streamings de referência no Brasil. Me concentrei em deixar ela com esse clipe maravilhoso, trabalho muito caprichado do [diretor] Daniel Almeida. E ficou uma coisa maluca, porque foi gravada um ano antes das enchentes em Porto Alegre. Acabou virando uma homenagem involuntária ao Centro de Porto Alegre, porque passei por vários lugares que depois foram alagados, lugares que são referenciais para quem vem visitar a cidade, como o viaduto da Borges (como é conhecido o Viaduto Otávio Rocha), a praça do Palácio Piratini (Praça da Matriz) e outros. Quem vê hoje em dia pensa que foi uma coisa para levantar o moral da cidade pós-enchente, e não, foi gravado antes!

Você disse, no material que me enviou, que essa é a música mais bonita que você já fez. Sustenta essa afirmação?
Totalmente. Tem momentos na vida que a gente transpira muito num trabalho, e conta com aquele 1% de inspiração. Acho que, se eu não estivesse praticamente dormindo com o violão na mão, eu não a faria com esse andamento tão acelerado. Talvez eu pensasse que ela ficaria mais bonita em um 3/4 ou 6/8, mas naquele momento, alguma coisa desenfreada da criatividade veio. A criatividade funciona melhor quando a gente tira o freio dela, só que é uma coisa bem mais complicada de se fazer do que de falar, porque a música é algo que conta com um aspecto formal muito relevante. Você vê pelos bilhões de músicas compostas no andamento 4/4 há anos, é o formato onipresente há décadas, e aí você se dá conta do quanto é difícil se livrar de algo que está no inconsciente coletivo. Quando tu tenta ser criativo de verdade, precisa ir pra fora dessa maçaroca, e chegar em alguma parte entre o inconsciente e consciente. Depois você traz isso para uma estrutura mais racional. Mas todo esse clima onírico, tanto do clipe quanto da música, me fazem afirmar que esse é o melhor trabalho que já fiz na vida.

Na entrevista anterior ao Scream & Yell, falamos sobre como as plataformas de streaming vampirizam o artista e como a música tem sido tratada como acessório. E tinha pandemia, a situação política do país… Você falou da necessidade de força e resiliência para atravessar aquilo tudo. Isso também está presente nesse EP?.
Com certeza absoluta. Eu diria também que essas músicas têm um brilho de sobrevivência. Não é otimismo bobo ou infundado, mas um otimismo “científico” (risos). Eu tive uma criação muito cética, fui criado para ser um cara muito, muito cético. Por isso, as surpresas boas que tive na vida foram fazendo com que esse aspecto da personalidade, de ter uma ótica mais sombria, fosse sendo atenuado. Não é questão de achar que a vida é cor-de-rosa ou que moramos em um morango encantado, estou falando de aspectos relativos à solidariedade das pessoas e à experiência da paternidade. Tem coisas que é muito difícil de colocar em palavras, mas quando você esteve em uma situação muito complicada e contou com a solidariedade dos amigos, é um lance muito difícil de descrever, a gratidão que você sente com aquilo. É algo que te traz uma solidez que te permite não ficar desesperançado. É um zeitgeist muito estranho, o de hoje. Quem trabalha com música sabe que a gente está vivendo um momento em que o visual tomou conta, se você não tem esse apelo ou não está muito envolvido numa moda ou alguma corrente, mesmo uma dita “alternativa”… Hoje, tem pouca coisa em evidência que seja puramente musical, o que é mais visto é o que está ligado à alguma coisa extramusical, pra qualquer lado que tu olhe. Isso está na música de massa e está no alternativo. Por isso me sinto como um artesão que está fazendo uma coisa há muito esquecida, que é o sujeito que vai lá e toca. É um lance simples, que tem lá seu grau de complexidade dentro do estilo, mas é uma habilidade que permite que a gente se divirta. Principalmente agora, essa formação com o Juliano Pereira no baixo e o Leandro Schirmer na bateria: a gente tem se divertido muito com o repertório e tem sido muito legal fazer esses últimos shows. A gente tem muita confiança um no outro para tocar daquele modo, e essa é uma experiência que só pode te deixar feliz da vida, sabendo que tem gente que vai sair de casa para ver uma coisa que não está tão em voga, que são esses três caras que estão indo lá tocar.

O EP vai sair só no YouTube? Ou vai ganhar vinil, ter edição em download pago, essas coisas que teve no “Estrada Nova”?
A gente tem uma dúvida grande. O vídeo tem funcionado extremamente bem para o nosso patamar, então tenho dúvida se a gente vai trabalhar cada música com vídeo. Estou estudando isso sem pressa nenhuma, porque minha intenção agora é trabalhar a “Pegando Estrelas” por um bom tempo. E por não estar no streaming, é uma beleza, porque toca em rádio e ela paga direito autoral! (risos) Tocamos na rádio Cultura daqui e numa rádio pública do Havaí ao mesmo tempo! Tocamos em rádios de São Paulo, as rádios gostam da gente. Essa nossa forma de divulgação é só alegria. É tudo muito honesto, e encontra uma resposta muito boa dos profissionais de comunicação, que estão entendendo qual é a nossa proposta. Essa estratégia de trabalhar com a música e pela música tem funcionado. O vídeo ajuda, e é uma garantia de que as coisas vão estar em um lugar só, e não pulverizadas. Porque não dá para se iludir com o discurso dessas plataformas de streaming. Esse negócio de tu entrar em 700 playlists, somar um milhão e meio de plays pra eles te mandarem 10 reais – quanto antes as pessoas puderem despertar dessa loucura vai ser melhor pra todo mundo. É uma coisa insana: os relatórios do Spotify dizem que você teve sei lá quantas pessoas em sei lá quantos países, e aí você vai ver, os países são um Tiuanaco do Sul qualquer. Não dá pra sentir firmeza naqueles dados. Então centralizar nossos ouvintes no YouTube é uma escolha consciente que eu faço. Até porque o fã do tipo de música que a gente faz não vai se furtar de dar dois ou três cliques a mais para escutar o que fazemos. Não é o ouvinte que precisa que tudo esteja debaixo do clique – e eu nem preciso desse tipo de ouvinte. É o tipo de pessoa que não vai ter atenção suficiente para ouvir uma música nossa inteira.

Vocês conseguem se mover com shows fazendo um trabalho autoral, que não está na maioria das plataformas. Vocês conseguem crowdfunding, tocam fora do Estado…
Sim, [o Estado de] São Paulo segue sendo nosso chão para tocar.

A que você atribui essa cauda longa? Porque tem gente que, mesmo pondo muita grana, não consegue emplacar algo assim.
(hesita) Não tenho a menor ideia! (risos) Estou te mandando a real: não tenho a menor ideia. Eu podia elocubrar, mas as coisas que tenho refletidas e claras dentro da cabeça são essas que eu disse agora há pouco. Sobre isso que você perguntou, eu não tenho ideia mesmo. Eu podia apelar para qualquer clichê, dizer que é a sinceridade, a originalidade, mas olha, bicho, eu sei que meu trabalho é muito original, tenho isso como um fato, sei que é muito sincero porque não se consegue mentir com um instrumento em cima de um palco. Mas acho que nada disso poderia ser suficiente. Sorte? Sei lá. Tem muito trabalho bom que não consegue ir adiante.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e autor do livro “O Evangelho Segundo Odair: Censura, Igreja e O Filho de José e Maria“.