Ao vivo: Fazendo cover de si mesmo, Stone Temple Pilots resgata anos 90 em São Paulo

A banda parece ter assumido esse papel de banda cover de si mesma, se apoiando no sucesso anterior da marca STP - e o público também.

May 24, 2025 - 22:25
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Ao vivo: Fazendo cover de si mesmo, Stone Temple Pilots resgata anos 90 em São Paulo

texto de Alexandre Lopes
fotos de Ayumi Ranzini / Terra SP

De volta à estrada com uma turnê comemorativa de 30 anos do clássico álbum “Purple” (1994), o Stone Temple Pilots (com 3/4 da formação original) não fez em São Paulo apenas um show para celebrar um disco clássico; ela praticamente congelou seu legado na década de 1990 — para o bem ou para o mal.

Mesmo nos tempos em que o finado Scott Weiland, falecido em 2015, ainda ocupava o posto de vocalista, o repertório ao vivo se apoiava quase exclusivamente nos dois primeiros discos, “Core” (1992) e “Purple”, frequentemente ignorando muitas canções dos mais ousados “Tiny Music… Songs From The Vatican Gift Shop” (1996) e o arriscado e eclético “Shangri-la Dee Da” (2001). O motivo para esse recorte nunca foi muito claro; talvez o comportamento errático de Weiland – agravado por abuso de drogas e seu transtorno bipolar – comprometesse os ensaios e o clima interno na banda, a ponto de culminar em sua demissão em 2013.

Sem o STP, a trajetória de Weiland foi marcada por mais tropeços do que triunfos. Apesar do sucesso mainstream com o supergrupo Velvet Revolver, os últimos anos de sua carreira solo passou por escolhas duvidosas e pouco inspiradas, como um álbum de Natal, um disco de covers distribuído digitalmente e projetos de rock genéricos como o Art of Anarchy e sua banda The Wildabouts. Talvez o pico de sua criatividade tivesse definitivamente se esgotado com o Velvet Revolver.

Por sua vez, os irmãos Robert e Dean DeLeo e o baterista Eric Kretz também fracassaram comercialmente em todos os projetos que não incluíram Weiland, como o Talk Show e Army of Anyone (com Richard Patrick, do Filter). Mesmo sendo músicos talentosos com background instrumental, os três remanescentes sempre dependeram de Weiland como força criativa e letrista capaz de traduzir emoções e compor melodias marcantes. Talvez a química do STP com Weiland tenha sido um produto de seu tempo, capturando o espírito de uma geração. E quem poderia julgar isso melhor do que o público?

A abertura da noite de quinta-feira, 22 de maio, no Terra SP, ficou por conta do Velvet Chains, banda norte-americana de Las Vegas com um apelativo hard rock moderno e algo de post-grunge genérico. Formado em 2018, o quinteto já é relativamente familiar ao público brasileiro, com passagens por aqui em 2023 e 2024. Com um disco e dois EPs no currículo (“Icarus”, de 2021, “Morbid Dreams”, de 2022 e o recém-lançado “Last Rites”, de 2025), a banda passou por mudanças de formação e chegou a emplacar um single por 22 semanas nas paradas da Billboard, alcançando o Top 25.

Nesta nova visita, além do hit “Dead Inside”, tocaram uma versão pesada de “Suspicious Minds” (eternizada por Elvis), a nova “Ghost in The Shell” e fecharam com um momento inusitado: o guitarrista James Von Boldt se meteu no meio do público, com guitarra, chapéu e tudo. Às 20h59, encerraram a missão de aquecer o ambiente para o STP.

Às 21h27, a música de introdução ecoou no ambiente e Eric e Dean surgiram no palco, seguidos por Robert e Jeff (ambos usando óculos escuros). O show começou com uma versão enérgica de “Unglued”, que logo deu lugar a “Wicked Garden”, arrancando o primeiro grande coro da plateia na noite. Ao final, Robert arremessou palhetas ao público, que respondia berrando “S-T-P! S-T-P!” (em inglês). Em seguida, uma pequena introdução de wah-wah no baixo abriu caminho para “Vasoline”, também muito bem recebida.

Jeff Gutt, vocalista desde 2017, cumpre bem seu papel de frontman, ainda que pareça moldado sob medida para ser uma sombra reverente de Weiland. Seus vocais são competentes (com direito a borrifadas de spray na garganta e cuspidas discretas em um pano preto ao lado da bateria), mas é impossível ignorar a semelhança estética e gestual com o ex-vocalista: o corte de cabelo, os óculos, as roupas, os trejeitos. Gutt parece canalizar o espírito de Weiland, mas com uma postura mais contida como se equilibrasse entre a devoção e o profissionalismo exigido pelos DeLeo. É como se Gutt fosse um músico contratado para ser uma versão mais domesticada de Weiland. Mas não dá para culpá-lo por isso – como um ex-participante do reality show X-Factor, ele apenas deve querer viver o sonho de ser um rockstar, pagar suas contas e sustentar sua família.

Mas mesmo que a performance de Gutt oscile entre a reverência e a emulação, mostrando uma figura que falta identidade própria, seu esforço em se conectar com o público é inegável – talvez até mais efetiva que a de Weiland. Antes do show, ele tirou fotos com alguns fãs na porta do Terra SP e, durante “Silvergun Superman” pegou o celular de um espectador para registrar algumas cenas do palco. Em “Down”, cantou sobre a plataforma que separa a banda do público, segurado por dois seguranças. E é claro que a plateia aprovou tudo isso, com gritos calorosos de “Jeff, Jeff!”.

Bem menos extrovertidos, os outros membros também tentaram suas aproximações. Após “Big Empty”, Dean DeLeo entregou o slide usado na música para um fã. Robert, em um bom portunhol, soltou um “Hola, Brasil” e brincou: “Dizem que quando alguém morre, essa pessoa vai para o Brasil. E aqui estamos, vivos e no Brasil.” Estranho, mas espirituoso o suficiente para arrancar aplausos. E não faltaram dedicatórias a Scott Weiland em “Still Remains”, coros em “Plush” e “Dead & Bloated”, até mesmo uma tímida roda de pogo em “Interstate Love Song”, uma das músicas mais improváveis para um acontecimento assim.

O bis trouxe arranjos de cordas pré-gravados para acompanhar “Kitchenware & Candybars” e uma versão pesada de “Piece of Pie” antecedeu o encerramento apoteótico com “Sex Type Thing”, finalizada com um stage dive de Gutt, como se a frase “Here I come” da letra anunciasse o salto. A banda deixou o palco às 22h57 sob aplausos estrondosos.

Apesar da proposta de celebrar “Purple”, o álbum não foi tocado na íntegra – ficaram de fora “Lounge Fly”, “Pretty Penny” e “Army Ants”. Em compensação, seis faixas de “Core” foram incluídas, além de “Big Bang Baby”, “Trippin’ on a Hole in a Paper Heart” e “Down”. Faltaram hits como “Creep”, “Lady Picture Show” e “Sour Girl”, mas esse recorte foi acolhido com satisfação por uma plateia sedenta. Predominantemente trintões e quarentões, os fãs estavam ali não por novidades, mas para reviver uma era de ouro do STP. E pelo que deu pra ver no Terra SP, aceitaram bem essa formação com Jeff Gutt à frente.

A ausência de qualquer referência aos trabalhos pós-2000 reforça a percepção de que o STP se tornou um museu itinerante de si mesmo. Não houve sinal do EP “High Rise” (de 2013, com Chester Bennington) nem dos álbuns com Gutt – “Stone Temple Pilots” (2018) ou “Perdida” (2020). A banda parece ter assumido esse papel de banda cover de si mesma, se apoiando no sucesso anterior da marca STP – e o público também. O STP mostrou que ainda é uma banda poderosa ao vivo, ainda que previsível em sua zona de conforto noventista.

Talvez essa seja mesmo a missão atual da banda e de seu público: não a reinvenção, mas a preservação. E se depender da resposta entusiasmada em São Paulo, a banda ainda tem fôlego para seguir intacta, vivendo de glórias passadas — com o público como cúmplice nessa celebração melancólica, preso entre o ontem e o agora. E o mais curioso: ninguém parece se incomodar com isso.

Setlist:

Unglued
Wicked Garden
Vasoline
Big Bang Baby
Down
Silvergun Superman
Meatplow
Still Remains
Big Empty
Plush
Interstate Love Song
Crackerman
Dead & Bloated
Trippin’ on a Hole in a Paper Heart

Bis:
Kitchenware & Candybars
Piece of Pie
Sex Type Thing

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br