Não-acontecimentos: o rompimento amoroso Trump-Musk e a fuga cinematográfica de Zambelli

De um lado, o barulhento rompimento amoroso entre Musk e Trump. Do outro a cinematográfica fuga por terra e ar da deputada federal Carla Zambelli, condenada a 10 anos de prisão pelo STF. De um lado, tudo começou com a piada e trocadilho do DOGE – uma entidade com status indefinido, mas que tocou a música da mídia: corte de gastos! Do outro, tudo termina com cheiro de pusilanimidade proposital da Justiça. Até a imprensa sabia o prefixo, horário de partida e chegada do voo de Zambelli. Por um incrível “golpe de sorte” (duas horas de diferença) o nome da deputada já constaria na lista da Interpol, e ela seria presa no aeroporto. Dois episódios distantes no espaço, mas dotados da mesma natureza: não-acontecimentos criados pela cartilha alt-right de comunicação – duas simulações de acontecimentos: nos EUA, para desviar a atenção das más notícias do governo Trump com as sucessivas derrotas na Justiça; e no Brasil, uma provocação para a esquerda não perceber o movimento de despolarização da Faria Lima com Tarcísio, o Moderado. E o recrudescimento da guerra híbrida dos EUA no Brasil. Que a grande mídia brasileira (na qual expressões como “deu no New York Times” ou “deu no Washington Post” são canônicas) anda a reboque da mídia hegemônica norte-americana como fosse um puxadinho dela, não é novidade para ninguém. Mas, agora, está exagerado! Telejornais, canais fechados de notícias e “colonistas” tupiniquins só falam na treta de Elon Musk com o presidente Donald Trump. Elon Musk e Donald Trump romperam a relação. A tensão entre os dois bilionários vem crescendo desde a saída de Musk do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês). Se inicialmente o CEO da Tesla era considerado um dos principais aliados do presidente dos Estados Unidos, agora os ânimos entre ambos estão bastante exaltados. Nesta última quinta-feira a treta chegou ao ápice: a declaração de Musk sobre a eleição do republicano. Para o dono da Tesla, Trump não teria sido eleito sem sua ajuda. Como se não bastasse, ainda sugeriu apoio a um eventual impeachment. Em resposta, o presidente dos EUA ameaçou “encerrar os subsídios e contratos governamentais de Elon”, o que colocaria em risco os bilhões de dólares em contratos federais da SpaceX para foguetes e satélites. Aliados de Trump, como Steve Bannon — um crítico voraz de Musk — disseram ao “New York Times” que o presidente deveria abrir investigações sobre Musk, nascido na África do Sul, e até deportá-lo. Convenhamos. Tudo começou como uma piada. Desde que o bilionário Elon Musk foi nomeado para o que foi chamado de "Departamento de Eficiência Governamental" (DOGE) — uma sigla que é uma aparente referência à criptomoeda com tema de cachorro de mesmo nome, que começou como uma piada e disparou depois que Musk a promoveu. Um departamento com uma descrição funcional nebulosa e status indefinido. Afinal, nenhuma agência do governo pode ser criada sem um ato do Congresso. Ninguém sabia (como não se soube até hoje) se essa entidade existiria dentro ou fora do governo federal. Trump cantou a canção neoliberal de corte de gastos para tornar tudo crível e engajar a mídia: “abrirá caminho para que meu governo desmantele a burocracia governamental, elimine regulamentações excessivas, corte gastos supérfluos e etc., etc.” ... Depois, a grande mídia iniciou uma questão bizantina: onde ficará o escritório de Musk na Casa Branca? Em algum “puxadinho” como o Edifício do Gabinete Executivo Eisenhower, que fica ao lado da Casa Branca? E qual será o status de Musk? Um “funcionário especial do governo”? Ou um cargo que pode ser remunerado ou não e que tem regras mais flexíveis para a divulgação de informações financeiras pessoais do que o exigido dos funcionários comuns? Tudo inverossímil, cheirando a simulação ou não-acontecimento dentro da estratégia de comunicação alt-right que chamamos de “alopragem política”: criar acontecimentos para pautar a mídia. Basta cantar o melô do “corte de gastos” que o jornalismo corporativo acredita em qualquer coisa... Subserviente, a mídia hegemônica brasileira “pagou pau” para a simulação e considerou tudo uma lição de “eficiência” que o governo brasileiro deveria aprender, como inacreditavelmente considerou o jornal Folha – clique aqui. E agora a treta entre Musk e Trump cheira a algo melodramático, como fosse uma daquelas rupturas amorosas que espalha pedaços por toda a vizinhança. Tudo canastrão, como um bom não-acontecimento. Racionalidade midiática Tudo ocorre num momento de maré baixa midiática do governo Trump depois de sucessivas derrotas na Justiça americana, como, p. ex., o bloqueio da ordem de Trump contra os alunos estrangeiros em Havard; ou o bloqueio dos tarifaços de Trump por um colegiado de três juízes do Tribunal de Comércio Internacional, sediado em Nova York. O que abre caminho para uma disputa judicial que pode chegar à Suprema Corte do país. Aliás, tarifas que vão e voltam, com suspensões de até 90 dias. O que acompanhamos é o mercad

Jun 8, 2025 - 12:50
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Não-acontecimentos: o rompimento amoroso Trump-Musk e a fuga cinematográfica de Zambelli


De um lado, o barulhento rompimento amoroso entre Musk e Trump. Do outro a cinematográfica fuga por terra e ar da deputada federal Carla Zambelli, condenada a 10 anos de prisão pelo STF. De um lado, tudo começou com a piada e trocadilho do DOGE – uma entidade com status indefinido, mas que tocou a música da mídia: corte de gastos! Do outro, tudo termina com cheiro de pusilanimidade proposital da Justiça. Até a imprensa sabia o prefixo, horário de partida e chegada do voo de Zambelli. Por um incrível “golpe de sorte” (duas horas de diferença) o nome da deputada já constaria na lista da Interpol, e ela seria presa no aeroporto. Dois episódios distantes no espaço, mas dotados da mesma natureza: não-acontecimentos criados pela cartilha alt-right de comunicação – duas simulações de acontecimentos: nos EUA, para desviar a atenção das más notícias do governo Trump com as sucessivas derrotas na Justiça; e no Brasil, uma provocação para a esquerda não perceber o movimento de despolarização da Faria Lima com Tarcísio, o Moderado. E o recrudescimento da guerra híbrida dos EUA no Brasil.

Que a grande mídia brasileira (na qual expressões como “deu no New York Times” ou “deu no Washington Post” são canônicas) anda a reboque da mídia hegemônica norte-americana como fosse um puxadinho dela, não é novidade para ninguém. Mas, agora, está exagerado!

Telejornais, canais fechados de notícias e “colonistas” tupiniquins só falam na treta de Elon Musk com o presidente Donald Trump. Elon Musk e Donald Trump romperam a relação. A tensão entre os dois bilionários vem crescendo desde a saída de Musk do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês). Se inicialmente o CEO da Tesla era considerado um dos principais aliados do presidente dos Estados Unidos, agora os ânimos entre ambos estão bastante exaltados.

Nesta última quinta-feira a treta chegou ao ápice: a declaração de Musk sobre a eleição do republicano. Para o dono da Tesla, Trump não teria sido eleito sem sua ajuda. Como se não bastasse, ainda sugeriu apoio a um eventual impeachment. Em resposta, o presidente dos EUA ameaçou “encerrar os subsídios e contratos governamentais de Elon”, o que colocaria em risco os bilhões de dólares em contratos federais da SpaceX para foguetes e satélites. Aliados de Trump, como Steve Bannon — um crítico voraz de Musk — disseram ao “New York Times” que o presidente deveria abrir investigações sobre Musk, nascido na África do Sul, e até deportá-lo.

Convenhamos. Tudo começou como uma piada. Desde que o bilionário Elon Musk foi nomeado para o que foi chamado de "Departamento de Eficiência Governamental" (DOGE) — uma sigla que é uma aparente referência à criptomoeda com tema de cachorro de mesmo nome, que começou como uma piada e disparou depois que Musk a promoveu.

Um departamento com uma descrição funcional nebulosa e status indefinido. Afinal, nenhuma agência do governo pode ser criada sem um ato do Congresso. Ninguém sabia (como não se soube até hoje) se essa entidade existiria dentro ou fora do governo federal. Trump cantou a canção neoliberal de corte de gastos para tornar tudo crível e engajar a mídia: “abrirá caminho para que meu governo desmantele a burocracia governamental, elimine regulamentações excessivas, corte gastos supérfluos e etc., etc.” ...

Depois, a grande mídia iniciou uma questão bizantina: onde ficará o escritório de Musk na Casa Branca? Em algum “puxadinho” como o Edifício do Gabinete Executivo Eisenhower, que fica ao lado da Casa Branca? E qual será o status de Musk? Um “funcionário especial do governo”? Ou um cargo que pode ser remunerado ou não e que tem regras mais flexíveis para a divulgação de informações financeiras pessoais do que o exigido dos funcionários comuns?



Tudo inverossímil, cheirando a simulação ou não-acontecimento dentro da estratégia de comunicação alt-right que chamamos de “alopragem política”: criar acontecimentos para pautar a mídia. Basta cantar o melô do “corte de gastos” que o jornalismo corporativo acredita em qualquer coisa...

Subserviente, a mídia hegemônica brasileira “pagou pau” para a simulação e considerou tudo uma lição de “eficiência” que o governo brasileiro deveria aprender, como inacreditavelmente considerou o jornal Folha – clique aqui.

E agora a treta entre Musk e Trump cheira a algo melodramático, como fosse uma daquelas rupturas amorosas que espalha pedaços por toda a vizinhança. Tudo canastrão, como um bom não-acontecimento.

Racionalidade midiática

Tudo ocorre num momento de maré baixa midiática do governo Trump depois de sucessivas derrotas na Justiça americana, como, p. ex., o bloqueio da ordem de Trump contra os alunos estrangeiros em Havard; ou o bloqueio dos tarifaços de Trump por um colegiado de três juízes do Tribunal de Comércio Internacional, sediado em Nova York. O que abre caminho para uma disputa judicial que pode chegar à Suprema Corte do país.

Aliás, tarifas que vão e voltam, com suspensões de até 90 dias. O que acompanhamos é o mercado internacional sempre sendo pego de surpresa com medidas agressivas, recuos significativos, suspensões para depois retomar as ameaças de aumento de tarifas. Tudo ao sabor do rendimento midiático – e, principalmente, o rendimento de títulos na Bolsa de Valores.

Economistas, como o prêmio Nobel Joseph Stiglitz, já apontaram que Trump não tem um plano, uma teoria econômica ou qualquer racionalidade por trás das suas decisões (clique aqui). O que esses scholars não entendem é que Trump (assim como foram os quatro anos do governo Bolsonaro) se orienta pela cartilha de comunicação alt-right. Sua racionalidade é a midiática – criar acontecimentos que consistem em ações de impactos, recuos imprevisíveis, suspensões repentinas, decisões acachapantes. Enfim: a criação do caos com método, para ocupar a pauta noticiosa, para sobrecarregar cognitivamente o trabalho de analistas e jornalistas.


Joseph Stiglitz: racionalidade econômica X racionalidade midiática

E nessa cartilha alt-right de comunicação também está previsto a simulação de crises internas, tretas, ou aquilo que Bolsonaro chamava de “caneladas” entre ministros ou de ministros com ele mesmo – p. ex., declarações controversas para deliberadamente criar dissonâncias cognitivas dentro do governo, como a declaração de Bolsonaro de que “só existe democracia se as Forças armadas assim quiserem”, levando o vice General Mourão a se contrapor dizendo que a fala era “dúbia”. Não-acontecimento como isca jogada na mídia para jornalistas corporativos repercutirem como a enésima “crise do governo Bolsonaro”.

Tudo leva a crer que a treta Musk e Trump é mais uma dessas “caneladas”: A decisão de Elon Musk de apoiar totalmente Donald Trump nunca fez muito sentido. E sua ruptura com Trump é ainda mais difícil de compreender.

Primeiro, Musk afastou os principais clientes da Tesla, os democratas da Costa Oeste, ao investir dinheiro e usar sua influência para ajudar Trump a retornar à Casa Branca.

 Agora, a guerra de palavras de Musk com o presidente corre o risco de afastar os mesmos eleitores de Trump que poderiam considerar comprar um Tesla até esta semana. Isso sem falar outros negócios de Musk, como a SpaceX, são construídos sobre contratos governamentais – contratos que Trump não perdeu tempo em ameaçar na quinta-feira.

Ou seja, Musk supostamente coloca em risco seus próprios negócios ao atacar diretamente Trump por querer elevar o teto da dívida pública, se opondo ao DOGE e a busca de uma eficiência dos gastos. O “idealista” Musk que colocaria em risco o próprio pescoço em nome da maior eficiência do Estado...

Onde estiverem, Friedrich Hayek e Milton Friedman devem estar sorrindo de orelha a orelha...



A “fuga” de Carla Zambelli: outro não-acontecimento?

Tudo teria sido uma questão de “sorte”. A deputada federal Carla Zambelli (PL) chegou à Itália nesta quinta-feira (5) e por muito pouco não foi presa ao pisar no Aeroporto Internacional de Roma Leonardo Da Vinci. Num golpe de “pura sorte”, a bolsonarista passou no controle de passaportes menos de duas horas antes de seu nome ser incluído na Lista de Difusão Vermelha da Interpol, a relação em que estão os criminosos mais procurados e perigosos do mundo. 

Desde que a deputada federal foi a condenada pelo STF a 10 anos de prisão por invasão aos sistemas eletrônicos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tudo com ela tem sido incrivelmente “por um triz”.

Ninguém esperava a possibilidade de que Zambelli “se furtaria à lei penal?”. Ou teria o impulso de “fugir do distrito da culpa”, como falou com o brilhantismo técnico o ministro Alexandre de Morais?

Pois só depois que ela foge para o previsível Estado da Flórida, EUA, o PGR pediu prisão preventiva depois de medida cautelar do STF que “corre em sigilo”.

Ninguém lembrou de confiscar o passaporte da deputada automaticamente com a condenação? Imunidade parlamentar?

O mais incrível é que, ao vivo, em plena Globo News, a jornalista Natuza Nery noticiou o prefixo do voo de Zambelli que saia dos EUA, o horário de partida e o horário de chegada na Itália. E o anúncio da Interpol “chegou atrasado” no aeroporto italiano.



Tudo cheira a uma pusilanimidade deliberada da Justiça. “Vamos deixar ela fugir para ver como fica o clima político”, parecem ter pensado suas eminências. Aliás, parece ser sempre o cálculo de todas as decisões do STF: tocar as causas em ritmo processual para aguardar as condições políticas de temperatura e pressão.

Esse humilde blogueiro desconfia que estamos mais uma vez diante de um caso de alopragem política. A criação de um não-acontecimento, como sempre, dentro de um timing.

Primeiro, uma alopragem em ano pré-eleitoral decisivo para o movimento de despolarização política aguardado pela Faria Lima: a implosão do clã Bolsonaro (agora no modo fraticida na oposição entre Michelle e Eduardo “bananinha”) para a liberação da “terceira via”: Tarcísio de Freitas, o Moderado.

O interessante é que a espetacular fuga de Carla Zambelli seja mais uma estocada provocativa para a esquerda continuar abduzida pelos sucessivos spin-offs do 8/1: estivemos à beira do abismo, portanto temos que continuar vigilantes aos movimentos dos golpistas. E apoiar o STF e a judicialização contra o golpismo.

Enquanto o verdadeiro golpe está sendo tramado: de um lado, Tarcísio, o Moderado, e sua agenda de capitalismo de choque com o apoio do próprio STF – que considera a Constituição brasileira ultrapassada por ter sido “promulgada antes da Queda do Muro de Berlim”, como disse certa vez Gilmar Mendes.

E do outro, o recrudescimento da guerra híbrida norte-americana, com a exigência de tipificar o crime organizado brasileiro (PCC e CV) como “terrorismo” – repare, caro leitor, como o jornalismo corporativo vem dando espaço a ilações sobre supostas conexões do crime organizado com facções terroristas internacionais. Como a reportagem do portal G1 que apontava supostas conexões entre o Comando Vermelho e a organização terrorista Al-Qaeda – clique aqui.

Para quê? Junto com a implantação massiva de datacenters das Big Techs em território brasileiro, sob o escrutínio da Cloud Act norte-americana, a qualquer momento, a Justiça norte-americana ter as ferramentas jurídicas do direito internacional para intervir no País. Simplesmente, alegando autodefesa, segurança nacional.

O que espanta este Cinegnose, é a capacidade de jornalistas acreditarem ou, pelo menos, não questionarem histórias tão inverossímeis, implausíveis, canhestríssimas...   

 

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