O encontro de Jane Austen e Emma Thompson: os 30 anos de um clássico
Razão e Sensibilidade marcaram o início de uma nova era para adaptações de Austen, conjugando refinamento estético com emoção genuína e humor afiado

Se Jane Austen conhecesse Emma Thompson, o papo entre as duas seria extraordinário. Vou além: se Jane soubesse da história pessoal de Emma, teria imaginado lágrimas, desencontros e, claro, um final feliz. Spoiler alert: foi exatamente isso que o espírito da escritora entregou em Razão e Sensibilidade.
Antes de contar essa história, vale lembrar como 2025 é um ano repleto de efemérides marcantes para os admiradores de Jane Austen. Celebramos, em dezembro, os 250 anos do nascimento da autora; em abril, os 25 anos da estreia de Orgulho e Preconceito, com Keira Knightley, que encantou uma nova geração; e, também em dezembro, os 30 anos de uma das mais aclamadas adaptações cinematográficas de sua obra: Razão e Sensibilidade (Sense and Sensibility, 1995).
Um dos favoritos absolutos entre as “Janeites” — ou “Austenites”, como se autodenominam as fãs devotadas do universo austeniano —, o filme trouxe à tona uma das primeiras histórias publicadas por Jane Austen, até então considerada por muitos anos “infilmável”. Até que Emma Thompson entrou em cena.
Primeiro, o livro
Publicado em 1811, Razão e Sensibilidade gira em torno das irmãs Dashwood, Elinor e Marianne, que representam dois temperamentos opostos: a razão (Elinor) e a sensibilidade ou emoção (Marianne). Após a morte do pai, elas e a mãe são forçadas a deixar a propriedade da família e passam a viver modestamente em uma casa emprestada no interior da Inglaterra.
Elinor, sensata e reservada, apaixona-se pelo gentil Edward Ferrars, mas precisa esconder seus sentimentos por conta de circunstâncias familiares e financeiras. Marianne, por outro lado, é intensa e apaixonada, e se entrega sem reservas ao relacionamento com o sedutor John Willoughby — que acaba a decepcionando profundamente.
Ao longo da trama, as duas irmãs enfrentam desilusões amorosas, provações sociais e emocionais, até que amadurecem e encontram, cada uma à sua maneira, um equilíbrio entre razão e sentimento. A história trata com ironia e sutileza das limitações impostas às mulheres na sociedade inglesa do século 19, especialmente no que diz respeito a casamento, fortuna e status.
Precisou de uma “Emma” que optou por Elinor
É curioso que uma das histórias mais emocionantes de Jane tenha demorado 114 anos desde que foi lançado como livro para ganhar seu primeiro filme, enquanto Emma e Orgulho e Preconceito tiveram tantas versões. Pois é, precisou que a premiada atriz Emma Thompson encarasse o risco de escrever seu primeiro roteiro para que mudasse essa história para sempre.
Em 1992, ela era a atriz em maior demanda em Hollywood, tendo levado o Oscar de Melhor Atriz por Howard’s End e transitando entre Shakespeare, suspense e comédias com uma naturalidade que ainda é incomparável. Na época, ainda casada com Kenneth Branagh, começou a rascunhar o roteiro de Razão e Sensibilidade quando estava com o marido na Toscana, gravando Muito Barulho por Nada.
Conversando com a convite a produtora Lindsay Doran, as duas descobriram a paixão em comum por Jane Austen. Nesse papo, comentaram como o romance era considerado o menos “cinematográfico” de Austen, por seu tom contido e estrutura sutil, mas Emma viu ali uma riqueza emocional profunda. O roteiro, que chegou a ter 500 páginas em sua primeira versão, foi considerado “ensolarado demais”, mas nesse trabalho que levaram anos, a vida da atriz mudaria radicalmente, assim como o filme.
É que em 1994, ela passou por um momento de turbulência emocional: seu casamento com Branagh se desfez quando ele se apaixonou pela amiga dela, Helena Boham-Carter (que interpretou sua irmã em Howard’s End) enquanto filmavam Frankenstein. Desolada e com o coração partido, Emma buscava um projeto que lhe permitisse reencontrar equilíbrio e propósito, retomando o projeto de Razão e Sensibilidade quando se identificou de maneira intensa com a personagem Elinor Dashwood, a irmã mais velha contida e racional, que reprime seus sentimentos em nome do dever familiar e da decência. Através do roteiro a atriz encontrou uma forma de se reconstruir em um momento de profunda dor.
Havia uma vantagem de que o livro não tivesse comparação filmada, mas ainda assim Emma se propôs a preservar o espírito irônico e delicado de Austen, o tornando acessível a um público moderno, com diálogos ágeis, ritmo cinematográfico e uma abordagem emocional sincera. Merecidamente, Emma Thompson levou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, tornando-se a única pessoa, até hoje, a vencer o prêmio da Academia tanto como atriz quanto como roteirista, mas chegaremos lá mais à frente.
Uma das coisas que o filme permanece interessante mesmo 30 anos depois é que Razão e Sensibilidade expõe com sutileza mas clareza, a fragilidade da posição social das mulheres no início do século 19. As irmãs Dashwood, deserdadas e obrigadas a contar com a caridade de parentes distantes, enfrentam o preconceito, a instabilidade e a pressão do casamento como única forma de segurança.
Emma entendeu que, ao transpor essa narrativa para o cinema, poderia destacar não só o romantismo e a beleza da escrita de Austen, mas também a crítica social embutida na trama. Nesse sentido, sua adaptação não foi apenas fiel — foi também engajada, lúcida e atual.
Um diretor inusitado, uma jovem atriz que faria história
Além da turbulência pessoa, o processo de escrita teve percalços. Quando o computador de Emma travou antes que tivesse o roteiro final impresso, foi o amigo Stephen Fry quem resgatou o arquivo depois de sete horas de trabalho. Ele aparece nos créditos do filme em agradecimento.
Na hora de decidir quem assumiria a direção, a escolha foi inesperada. O eleito foi o cineasta taiwanês Ang Lee, conhecido por filmes intimistas como The Wedding Banquet e Eat Drink Man Woman, mas que nunca tinha feito um filme de época e menos ainda, um britânico do século 18. Mas foi uma escolha acertada porque Lee trouxe uma abordagem visual sutil e emocionalmente precisa. No primeiro dia de filmagens, realizou um ritual budista para dar sorte ao set, que acabou sendo atingido por uma tempestade de granizo — um sinal, talvez, da intensidade emocional que marcaria a produção.
O elenco incluía outro ex de Emma, o ator Hugh Laurie, e dois grandes amigos pessoais, Hugh Grant e Alan Rickman, mas o destaque mesmo foi a praticamente novata de apenas 19 anos, Kate Winslet, que impressionou a todos com sua vivacidade para o papel de Marianne e um ator menos conhecido, Greg Wise, que mudaria a vida de Emma para sempre.
A proposta inicial não era tê-la no elenco, mesmo que ela fosse a atriz mais premiada na época. No livro, Elinor tem 19 anos e Emma já estava com 35, mas Ang Lee a convenceu que não havia outra que conhecesse a personagem como ela. Para fortalecer o vínculo entre as irmãs Dashwood, Lee também sugeriu que Emma e Kate compartilhassem alojamento durante as filmagens e o resultado foi mais do uma química palpável na tela: as duas são melhores amigas até hoje. E Greg Wise? Bom, ele e Emma se apaixonaram e hoje têm uma família de dois filhos e outros trabalhos juntos. Jane Austen não poderia ter escrito melhor final feliz.
Como sou colecionadora e fã, preciso falar da trilha sonora, composta por Patrick Doyle, colaborador frequente de Kenneth Branagh e amigo de EmmaThompson. Sua música deu ao filme um tom melancólico e elegante, combinando melodias clássicas e emoções contidas, a música se tornou essencial na construção do clima. Doyle compôs também canções originais interpretadas por Kate Winslet, que mostrou aptidão vocal ao cantar ao piano.
Com um orçamento modesto de 16 milhões de dólares, o filme arrecadou mais de 135 milhões em bilheteria mundial, recebeu sete indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Atriz para Thompson e Melhor Atriz Coadjuvante para Kate Winslet.
A recepção crítica foi entusiástica. Críticos destacaram a inteligência da adaptação, a elegância da direção e a maturidade emocional do elenco. Para os fãs de Austen, foi uma confirmação de que o cinema podia traduzir com fidelidade o espírito de seus romances, sem sacrificar complexidade ou sutileza. Três décadas depois Razão e Sensibilidade permanece como uma das mais reverenciadas traduções cinematográficas da literatura inglesa, e um marco na carreira de todos os envolvidos — especialmente Emma Thompson, cuja inteligência, dor pessoal e paixão pela obra de Austen se entrelaçaram para criar algo atemporal.
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