Três shows: The Lemon Twigs, Kim Gordon, Richard Ashcroft
No Cine Joia, Lemon Twigs fizeram uma viagem no tempo e Kim Gordon segue desafiando convenções; No Ibirapuera, Richard Ashcroft entoou alguns hinos urbanos.





The Lemon Twigs – Cine Joia (Popload Gig) – 30/05
texto de Bruno Capelas / fotos de Camila Cara/Popload
O jeito mais fácil de descrever o show que os Lemon Twigs fizeram no Cine Joia seria dizer que foi uma viagem no tempo a uma época anterior ao punk rock, em que belas canções de muitos acordes tocavam a toda hora no rádio. Mas seria simplista reduzir tal performance a mera ficção científica: em 80 minutos, o que os irmãos Brian e Michael D’Addario fizeram em seu primeiro show no Brasil foi uma demonstração de como as lições ensinadas por Paul McCartney, Brian Wilson, Gene Clark e Alex Chilton seguem valiosas. Com bom humor, piadas internas e cortes de cabelo dignos do desenho “Os Impossíveis”, os dois – mais Danny Ayala (baixo, teclados) e Reza Matin (bateria e guitarra) – calcaram a apresentação nos recentes álbuns “A Dream is All I Know” e “Everything Harmony”, de 2024 e 2023. Ambos privilegiam riffs doces, harmonias vocais e refrãos assobiáveis, que empolgaram os presentes no Cine Joia – em uma noite fria, a casa estava apenas meio-cheia em termos de público, embora repleta de calor. Alternando-se entre instrumentos e fingindo brigar como se fossem os Gallagher, os irmãos também exibiram sua juventude: abaixo dos 30 anos, eles não se furtaram em dar chutes no ar, saltos e pulos à la Pete Townshend ao longo da noite. Mas não foi só aeróbica: em canções como “In My Head”, “My Golden Years”, “Any Time of Day” ou “A Dream Is All I Know”, os D’Addario mostraram como o som das rádios AM, entre o power pop e o adult oriented rock, pode ter seu lugar nos anos 2020. Outro destaque foi a balançada “Rock On (Over and Over)”, que mostrou bela influência de Stones encerrando o set principal. Se já estava bom, o bis foi ainda melhor. Primeiro, Brian subiu sozinho com o violão, tocou o “Choro Nº1” de Villa-Lobos e emendou com a linda balada “Corner of My Eye”. Depois, a banda executou “When Winter Comes Around” e a bela “How Can I Love Her More?”, que anteciparam uma surpreendente cover de “Feel a Whole Lot Better”, dos Byrds. Só não foi mais incrível porque às 22h30 já estava todo mundo no metrô. Também pudera: no sábado, os Twigs subiriam ao palco do Popload Festival às 13h40. Haja juventude.




Kim Gordon – Cine Joia (Popload Gig) – 01/06
texto de Alexandre Lopes / Fotos de Fernando Yokota
Se a participação de Kim Gordon e banda no palco principal do Popload Festival no sábado foi um pouco morna — com uma área vip esvaziada isolando a artista da maior parte do público e uma plateia cheia de seguidores sedentos pelo show de Laufey —, a atmosfera no Cine Joia foi bem diferente: bem íntima e muito mais barulhenta. Antes da ex-integrante do Sonic Youth tomar os holofotes, houve a abertura de Moor Mother. Inicialmente dividindo o palco com Kiko Dinucci no violão e Juçara Marçal, a poeta, musicista e ativista norte-americana depois fez seu spoken word sobre bases da banda de post-metal Sumac. Pontualmente às 20h, Kim Gordon surgiu acompanhada de Camilla Charlesworth (baixo e synths), Sarah Register (guitarra e synths) e Madi Vogt (bateria) e foi direto ao ponto: tocou seu segundo álbum solo “The Collective”, quase na íntegra e na ordem – apenas “Tree House” ficou de fora. Vestindo blusa branca, gravata e shorts com meia-calça, Gordon comandou a noite com sua postura quase impassível, com poucos momentos de interação com o público — que foram sabotados pelo microfone, a ponto de ser difícil entender o que dizia. Mas nem precisava de muito para ter a total devoção da plateia, que gritava “Kim”, “gostosa” e “linda” entre as músicas. Com uma sonoridade que funde hip-hop, noise, trip-hop, dub, industrial e punk, Kim dá coesão ao que poderia ser uma colagem bem desconexa de estilos, com seu vocal seco, por vezes recitado. E sua banda não deixa por menos: Camilla e Madi seguram muito bem a pulsação do show, deixando o terreno livre para noises guitarrísticos minimalistas e brutais. Em meio a projeções da banda em estúdio e uma iluminação climática, Kim tocou a ainda inédita “Cigarette” e arriscou um momento de entrega vocal ao usar autotune em “Psychedelic Orgasm”. Depois de “Paprika Pony”, se deitou sobre os amplificadores. “Cookie Butter” deu um falso final ao show, com um drone noise reforçado por uma bateria de ritmo quase tribal. No bis, veio “Hungry Baby”, uma das mais esporrentas de “No Home Record” (2019), seu disco de estreia solo. Ao final, um agradecimento sucinto: “Thank you so much. Have a good night”. Kim Gordon mostrou que não está interessada em reencenar glórias passadas; seu caminho solo segue desafiando convenções – talvez até mais do que seus ex-companheiros de banda. Que essa mulher espetacular volte mais vezes.




Richard Ashcroft – Parque Ibirapuera (Best of Blues & Rock) – 07/06
texto de Marcelo Costa / Fotos de Liliane Callegari
Terceiro festival seguido na Arena Ibirapuera (após C6 Fest e Popload Festival), o Best of Blues & Rock foi um dos que melhor usou o espaço localizado ao fundo do Auditório: a área vip foi colocada no fundo do espaço (ao contrário do Popload, em que tomou um espaço frontal considerável) e a parede do Auditório foi transformada, de maneira simples e funcional, em um belo telão preto e branco. Se a escalação era a mais (roqueira e) questionável dos três eventos (e a que trouxe menor público), uma pequena joia se destacava no primeiro fim de semana do festival (que segue nos dias 14 e 15 de junho): Richard Ashcroft, líder do The Verve, apresentaria (em dois dias) alguns de seus hinos urbanos pela primeira vez no Brasil. Lançado em 1997, o clássico “Urban Hymns” foi catapultado por “Bitter Sweet Symphony” (em alta rotação na MTv), single estruturado sobre um sample de “The Last Time”, dos Rolling Stones, numa versão da Andrew Oldham Orchestra. A história é famosa: Allen Klein, detentor dos direitos da canção, processou o Verve exigindo 100% dos royalties da música, ou a banda teria que tirar o disco das lojas (em 2019, mais de 20 anos depois, e 10 após a morte de Klein, Mick Jagger e Keith Richards devolveriam os direitos à Ashcroft). De carreira sazonal (1990/1995 – 1997/1999 – 2007/2009), o Verve continua hibernando, mas Richard Paul Ashcroft segue em carreira solo (na coletiva pré-show, o músico inglês antecipou que o disco novo chega em setembro, além de celebrar Sócrates, Júnior e Ronaldo). Apontado por Chris Martin (Coldplay) como melhor cantor e responsável torto por outro disco icônico do rock britânico (ele se casou secretamente com Kate Radley em 1995, ex-tecladista do Spiritualized e ex-namorada do líder Jason Pierce, fato que inspirou a obra prima “Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space”, de 1997), Ashcroft conhece o seu legado, e por isso não se priva de tocar seis músicas de “Urban Hymns” num set curto de apenas oito canções: “Sonnet” abre o show de maneira emocionante. “Space and Time” e “Weeping Willow” surgem para provar que o álbum de 10 milhões de cópias vendidas (quinto disco mais vendido no Reino Unido atrás “apenas” de “Be Here Now”, do Oasis, “The Fat of the Land”, do Prodigy, “Bad”, de Michael Jackson e “Rattle and Hum” do U2) não tem apenas baladas matadoras, mas também rocks barulhentos (e menos psicodélicos ao vivo). “A Song The Lovers”, bela faixa de sua carreira solo, surge em versão grandiosa, enquanto “Break the Night With Colour” é dedicada ao jogador Zico. Ashcroft, então, tira a jaqueta de couro e mostra que está com uma camiseta de Ayrton Senna, “o melhor piloto do mundo”, e o trecho final poderia ser emoldurado: “The Drugs Don’t Work”, “Lucky Man” e “Bitter Sweet Symphony”, mesmo com sinais de desgaste na voz de Richard (que não se priva de forçá-la além do limite), trazem lágrimas aos olhos. Foi quase um pocket show de 55 minutos, mas foi classudo, emocional e bonito, muito bonito.
– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
– Liliane Callegari (@lili_callegari) é fotógrafa e arquiteta: https://lilianecallegari.com.br/
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.